Modos de Usar é o resultado de um seminário sobre a questão da participação na arte, organizado pela crítica de arte e curadora Lisette Lagnado. A reflexão surgiu a partir da leitura do ensaio “Valor e Afeto” de Toni Negri. Os conceitos de “trabalho imaterial” e de “economia da atenção” foram usados como pontos de partida para uma discussão acerca da participação nas práticas artísticas. Modos de Usar procura evidenciar como o artista propõe o outro e integra esse usuário, absorvendo sua subjetividade e sua alteridade. Esses rendez-vous com os artistas tinham como objetivo analisar as mudanças operadas com as proposições artísticas dos anos 60-70.
Em encontros semanais desde setembro, a curadora trabalhou com os participantes e a equipe da Galeria algumas palavras-chaves para alavancar os debates: afeto; amador; economia; efêmero; imaterial; infância; fetiche; instruções; jogo; não-artista; negócio; participação; poder; sedução;
souvenirs; troca; turista; etc.
Participam da exposição: Alexandra Pescuma, André Komatsu, Angela Detanico e Rafael Lain, Carlos Siffert, Chiara Banfi, Edilaine Cunha, Fabio Morais, Gisela Motta, Giuliano Montijo, João Nitsche e Pedro Nitsche, Laércio Redondo, Leandro Lima, Maíra Voltolini, Marilá Dardot, Maurício Ianês, Neka Mena Barreto, Nicolás Robbio, Paulo Nenflídio, Rivane Neuenschwander, Rodrigo Matheus, Roni Hirsch e Giovana Gregolin, Sara Ramo, Eliane Testone
Maurício Ianês, Sara Ramo, Laércio Redondo e Eliane Testone desenvolveram projetos baseados no modelo de rendez-vous: os artistas convidam o público para participar de um encontro na galeria, a fim de participarem da execução de suas obras. O resultado será acrescentado aos outros trabalhos expostos.
A Galeria Vermelho apresenta, de 14 de outubro a 8 de novembro, a exposição 3 Teses e 1 Hipótese, com Giselle Beiguelman, Marcelo Bicudo, Vera Bighetti e André Teruya Eichemberg.
3 Teses e 1 Hipótese reúne projetos que discutem novos parâmetros e paradigmas de apreensão, percepção e uso do espaço, na cidade mediada pelas redes e dispositivos de comunicação remota. Traz intervenções e instalações que operam na fronteira entre a arte e arquitetura, a comunicação e o design, a mídia e interface, a imagem e o texto. Os projetos são resultados das teses de mestrado de Marcelo, Vera e André e de seus projetos de doutorado, todos orientados por Giselle Beiguelman desde 2001, e lidam com ambientes modulados pela interconexão entre redes on line e off line.
Giselle Beiguelman (1 Hipótese: No tempo do nomadismo wireless, a interface é a mensagem)
Professora do programa de pós-graduação em Comunicação e Semiótica da PUC de SP, Beiguelman é também uma das mais importantes criadoras em novas mídias do cenário contemporâneo. Suas criações são expostas em museus e centros de novas mídias internacionais, como ZKM (Alemanha), MECAD (Barcelona), Fundación Telefônica (Madri), e analisadas em obras de referência dedicadas às artes on line, como o Yale University Library Research Guide for Mass Media e o %20Network, guia cult de webarte organizado pela famosa jodi.org (http://map.jodi.org/,círculo 54). Entre seus projetos, destacam-se o premiado site O Livro depois do Livro (1999), Wop Art, para telefones celulares (2001), e arte que envolve o acesso público a painéis eletrônicos, como Leste o Leste? e egoscópio (2002), resenhado pelo The New York Times. Nessa exposição, apresenta Poétrica, um projeto multimídia que discute o processo de cibridização (interconexão de redes on line e off line) e a transformação da interface em mensagem, a partir de uma série de imagens idênticas, produzidas com fontes não-alfabéticas, que são disponibilizadas em diferentes contextos de leitura acima, provocando o leitor a decodificá-las distintamente a partir de suas interfaces. O projeto envolve painéis eletrônicos; plotagens, sites para Palm, celulares e Internet.
Marcelo Bicudo (1ªtese: A cidade é a interface)
Diretor de arte da Salem Propaganda e arquiteto formado pela FAU, é professor de tipografia, tipografia digital e criação de embalagens na Faculdade Anhembi-Morumbi, vem desenvolvendo projetos que envolvem uma nova concepção de design híbrido pensado na escala urbana. Entre seus projetos mais conhecidos, destacam-se os trabalhos de sinalização e comunicacão visual da mostra Parade (acervo George Pompidou), realizada na Oca, no parque do Ibirapuera, em janeiro de 2001. Para esta exposição traz uma instalação que explora novos contextos de legibilidade, onde a arquitetura se dissolve em tipografia para se recompor como imagem, num jogo de espelhos que as reconstrói como volume.
Vera Bighetti (2ª tese: O espaço é a mídia)
É artista plástica e uma das pioneiras da arte digital no Brasil. Seus projetos exploram condições perceptivas em situações de jogo, lidando com recursos estereoscópicos combinados às tecnologias digitais, que vem sendo expostos em diversas bienais e festivais da área, com destaque para Bienal de Novas Mídias da Coréia e Bienal de Arte Digital de Beijin. Na Vermelho, apresentará o espaço imersivo “Cadeira”, em que os vistantes perdem o limite entre os espaço real e virtual, pela exploração espacial com óculos 3D e mouses sem fio.
André Eichemberg (3ª tese: A mídia é a cidade)
Arquiteto formado pela UNESP, André Eichemberg vem se destacando no cenário internarcional dedicado à arquitetura digital. Finalista do FEIAD 2001, festival internacional de arquitetura digital dirigido por Peter Eisemann e Greg Lynn e classificado na edição de 2002 do mesmo festival, apresenta na Vermelho Emergent_Water_Scapes, projetos de intervenção urbana a partir do uso de sensores e agentes inteligentes e utilização de espaços reversíveis.
A Galeria Vermelho apresenta, de 13 de setembro a 4 de outubro, a exposição individual Retrato V.t.d., de Fabio Morais.
Fabio Morais utiliza em seus trabalhos fotografias apropriadas de amigos e familiares, ou de seu próprio acervo, catalogando registros das histórias pessoais. Estas imagens compõem uma documentação dos pequenos acontecimentos, relações, pessoas e momentos esquecidos no tempo. O artista então mistura técnicas de fotografia com gravura, fixa a imagem ao sensibilizar o papel fotográfico preto e branco com luz solar e faz gravuras sobre este resultado.
A exposição Retrato V.t.d. apresenta também, em contraponto à linguagem fotográfica, a linguagem escrita. Fabio utiliza livros antigos, e os transforma, rasgando e recortando suas folhas. Imagem (fotografia) e narrativa linear (livro) são unidas para simbolizar essas duas formas de registro, duas tentativas de compreender um tempo e um espaço.
“Acho que o tema central dessa exposição é a vontade de registrar instantes da vida e retê-los, por palavras ou imagens, para poder lembrá-los depois. Fazer da retenção do instante um fetiche, um amuleto, um relicário, uma ponte de volta.” – Fabio Morais
Fabio fez sua primeira individual este ano no Sesc Av. Paulista, e já participou de diversas coletivas, entre elas: Marrom, na Galeria Vermelho; Genius Loci, Circuito Vila Buarque e Desdobramentos: Desenho no MAC de Americana.
A Galeria Vermelho apresenta, de 13 de setembro a 4 de outubro, a exposição Imagem Não Imagem, coletiva com curadoria de Christine Mello.
A coletiva reúne trabalhos de Arlindo Machado, Bruno de Carvalho, Corpos Informáticos, feitoamãos/ F.A.Q., Lucas Bambozzi, Luiz Duva, Neide Jallageas, NeoTao, Simone Michelin, e Spetto.
Imagem Não Imagem reúne criadores do campo da artemídia, que produzem trabalhos a partir do meio videográfico, digital e telemático, tendo como referência o filme Complemento Nacional, de 1978, de Arlindo Machado. A idéia curatorial parte da observação de caminhos e rupturas na cena contemporânea, que dialogam com as técnicas de apropriação e sampleamento das imagens e sons, bem como com a discussão do copyright, entrecruzando meios como o vídeo, o computador e a internet, baseadas em mecanismos experimentais de produção da imagem.
Trata-se de um jogo curatorial , onde Christine propõe aos artistas que produzam um trabalho a partir da obra de Arlindo Machado. Ela coleta estes trabalhos, edita em uma só fita, e redistribui aos artistas, para que os trabalhos finais sejam vídeos individuais resultantes da produção do grupo. Surge uma situação compartilhada de autoria, de reprocessamento, de remixagem e imprevisibilidade.
■ Bruno de Carvalho (Rio de Janeiro) – artista proveniente da área de Comunicação e dos cursos da Escola de Artes Visuais do Parque Laje, no Rio de Janeiro, que associa em sua produção tanto trabalhos de vídeo e videoinstalação apresentados no circuito tradicional da arte, quanto em eventos alternativos.
■ Corpos Informáticos (Brasília) – grupo coordenado por Bia Medeiros desde 1992 em torno à performance, à videoarte e à Internet. Possuem um extenso trabalho investigativo na área do vídeo, videoinstalação, videoperformance, net art e teleperformance (performance na Internet).
■ feitoamãos/F.A.Q., (Belo Horizonte) – grupo que reúne artistas do campo da videoarte desde os anos 80, e que se reúnem hoje na realização de ações coletivas e no vídeo ao vivo, como uma proposta de cinema expandido, procurando estabelecer um maior relacionamento entre a música e a imagem. É formado por: André Amparo, Cláudio Santos, Lucas Bambozzi, Marcelo Braga, Rodrigo Minelli e Ronaldo Gino.
■ Lucas Bambozzi (São Paulo) – atua desde o final dos anos 80 no campo da videoarte, possuindo uma imensa gama de trabalhos exploratórios com o vídeo, a videoinstalação, o cd-rom e a net art. Recentemente vem se dedicando à pesquisa de dispositivos interativos na arte e também ao vídeo ao vivo.
■ Luiz Duva (São Paulo) –desenvolve narrativas pessoais em vídeo, bem como uma série de experiências com videoinstalações. De 2000 para cá, vem se dedicando ao exercício do VJ (o que conhecemos por vídeo ao vivo). Ele pensa esses ambientes na soma do áudio com o vídeo para uma nova dimensão de linguagem.
■ Neide Jallageas (São Paulo) – experimenta formas alternativas de produção da fotografia e do vídeo a partir da performance, tendo desenvolvido ao longo dos últimos dez anos um consistente trabalho pessoal nessas áreas.
■ NeoTao (São Paulo) – grupo de artistas de diversas vertentes experimentais (body-art, performance, novas mídias) que se unem sob o signo da colagem. Participam do núcleo de criação Daniel Sêda, Rogério Borovik, Paulo Costa, Filipe Espíndola, entre outros.
■ Simone Michelin (Rio de Janeiro) –possui um trabalho bastante experimental com o vídeo, a videoinstalação, a videoperformance, o cd-rom, e a net art. Associa a prática estética à prática política numa única dimensão criativa de arte.
■ Spetto (São Paulo) – trabalha com o meio digital desde 1980, e desenvolve como proposta de experimentação a software art, a animação gráfica e o vídeo ao vivo. Procura dinamizar pela colagem, reciclagem e apropriação de variados elementos das mídias de massa.
Quando convidei os curadores, foi menos como um amigo do Leonilson do que como professor. Pensei em não fazer apenas uma homenagem, mas uma exposição que refletisse sobre o legado que o artista deixou. Como a arte só está viva quando se dissemina, quando circula e é vista pelos outros, é de grande importância uma exposição com jovens artistas que pensam o trabalho dele, Desse modo, compreendemos, além de sua obra, a recepção dela na geração seguinte. Somente seria completa a exposição se os curadores não fossem da mesma geração de Leonilson. A intenção foi evitar uma visão viciada por laços pessoais com e artista e incentivar um novo olhar sobre seu trabalho. Assim podemos manter sua obra viva.
Eduardo Brandão
A Galeria Vermelho apresenta a exposição coletiva In ´vel, que reúne trabalhos dos artistas Motta & Lima, Maurício Ianês e Edilaine Cunha.
A Galeria Vermelho apresenta, de 6 a 14 de junho, a exposição SX70, coletiva de Armando Prado, Cláudio Elizabetsky, Fernando Costa Neto, Marcelo Palotta, Paulo Vainer, Ricardo Van Steen, Roberto Wagner.
SX70 é um modelo de câmera polaróide dos anos 70, considerado por muitos fotógrafos o melhor modelo desta espécie.
Armando Prado, Cláudio Elizabetsky, Fernando Costa Neto, Marcelo Palotta, Paulo Vainer, Ricardo Van Steen, Roberto Wagner se reuniram há três anos para montar um site: www.sx70.com.br, com imagens produzidas com esta câmera. Com o site pronto, surgiu então a idéia de editar estas imagens em um livro.
A exposição acompanha o lançamento do livro e faz um recorte na produção desses sete fotógrafos, a fim de destacar como cada um deles lida com a SX70. O resultado é uma diversidade de temas e visualidades, conceitos e estéticas. A seleção engloba desde imagens jornalísticas até pesquisas formais da fotografia, de polaróide tradicional até fotograma em polaróid.
A Galeria Vermelho apresenta, de 6 a 31 de maio, a exposição 1 Lúcia 2 Lúcias, coletiva de Lia Chaia, Leandro da Costa, Fabiano Marques, Nicolás Robbio.
A coletiva reúne trabalhos de quatro jovens artistas produzindo em diversos meios.
Lia Chaia apresenta uma pintura/mural onde discute a superfície da pintura ao deslocar parte da composição, deixando espaços vazios. Apresenta ainda uma série de fotografias e o vídeo “Paisagem”.
Leandro da Costa traz a discussão de presença e ausência retirando digitalmente camadas de fotos apropriadas. Apresenta também duas intervenções arquitetônicas que alteram o fluxo dos visitantes na galeria.
Fabiano Marques apresenta duas esculturas/instalações que vão se modificando no decorrer da exposição, por intervenção do próprio artista. Utiliza estruturas já existentes (trave de gol, cadeiras, escadas) transformando–as em esculturas por meio da composição.
Nicolás Robbio usa série de fotos, objetos, desenhos para questionar a verossimilhança na imagem contemporânea, e uma pintura utilizando como suporte a parede, numa discussão da representação do movimento fotográfico.
O texto crítico será de Cauê Alves, mestrando em filosofia pela FFLCH-USP, bolsista da Fapesp e integrante do Grupo de Estudos do Centro Universitário Maria Antônia.
Carolina Aboarrage, do estúdio EP, fica responsável pela comunicação visual da exposição.
Lia Chaia fez a individual “Experiências com o Corpo” em 2002 no Instituto Tomie Ohtake, e participou da “Matéria Prima”, exposição de inauguração do Museu Oscar Niemeyer de Curitiba; Leandro da Costa expôs na “Marrom” da Galeria Vermelho, “Genius Loci” na Vila Buarque e “Desdobramentos/Desenhos” no MAC de Americana ; Fabiano Marques foi selecionado para o Rumos Itaú Cultural 2001/2003 e fez uma individual no Programa de Exposições do Centro Cultural São Paulo; Nicolás Robbio participou da “Marrom”, na Galeria Vermelho, da Bienal de Arte Jovem de Mar Del Plata e da Bienal Nacional Museu de Arte Contemporânea Bahia Blanca, Argentina, entre outras.
O Local do Homem de Rogério Canella faz uso do ato fotográfico para registrar a constante transformação da paisagem urbana. Em imagens nítidas e diretas, Canella busca os instantes de passagem da arquitetura da cidade. Também os vestígios da presença humana são mostrados de maneira objetiva através de séries de retratos de objetos obsoletos e despidos de suas funções ou de restos produzidos pelo homem que não têm mais utilidade. As imagens são mostradas em conjuntos evidenciando a simultaneidade dessas transformações.
A Operação Ilegal é composta por daguerreótipos, radiografias e projeção interativa. Cris Bierrenbach dá imagem à dor e à privação, e ao mesmo tempo, mantém o controle do ponto de vista e do tempo do espectador. Dependendo do ângulo, a imagem do daguerreótipo pode estar em positivo, em negativo, ou se torna um espelho. Na projeção , o espectador cria uma narrativa própria a partir de textos – legendas extraídas de um filme, de um documentário e de um seriado de televisão- porém em tempo limitado . A trilha da projeção foi composta por DJ Dolores.
Giroflexxxx, uma possível visita
Giroflexxxx* registra parte do processo de criação de um grupo formado por quatro jovens artistas. São vídeos, pinturas, fotografias, instalações, desenhos, esculturas, músicas e até um baixo-relevo cravado no espaço central da galeria Vermelho. Apesar de “finalizadas”, as obras mantêm o frescor do trabalho em andamento. Travam conversas, se referem umas às outras, se espelham, se repelem, se contradizem e se estimulam. São “obras jovens”, de, no máximo, 3 anos. A mostra é uma incursão no universo deste grupo, que cria junto e experimenta intensamente suportes e idéias com uma falta de cerimônia que contamina a obra e chega ao público. A mostra abre uma porta para dentro desse mundo de grupo. Ao mesmo tempo, abre uma outra porta para fora do espaço oficial de exposição de arte. Para a rua, para o presente imediato, urgente.
Guerrilha urbana
A cidade atinge, marca e alimenta a guerrilha estética de Marcelo Cidade. Urbano, Cidade traz para a galeria em objetos de feltro o que poderia se chamar de uniforme ou, seguindo na associação, a armadura contemporânea do andarilho: boné, mochila, skate.
Mas o artista não apenas assiste a cena urbana. Quer intervir. Quer usar como matéria a própria cidade. Na sequência “não-sequenciada” das fotos que exibe, faz um guarda-corpo de gente para um viaduto que é símbolo símbolo de São Paulo. A cidade pálida, de concreto, sem vida, e um cordão de gente viva que olha para a câmera. A câmera aponta para seu objeto, como arma. Cidade veste todo mundo de cinza. Uma camiseta para cada um. Fundo e figura se confundem. A fotografia provoca. Todo mundo é igual? São todos da mesma cor? Você reconhece alguém? Que cidade é esta? Que céu é este? O que você quer ver? Procure.
Da diferença na semelhança, de uma possível “massificação inconclusa do mundo”, o artista explora também o detalhe formal mais delicado. E segue provocando. Simula para revelar. Em outra obra, mostra todos os cinzas e brancos que estão à disposição no mercado de tintas para grafiteiros. Exibe seus nomes. No formato de polaroids superampliadas. São apenas duas cores. Apenas duas? O que você quer ver? Procure.
Violência e identidade
O criminoso posa para o público na cena do crime. Já na parede externa da galeria, a fotografia de uma paisagem devastada por um bombardeio na Palestina é trabalhada eletronicamente e, no primeiro plano, Felipe Gonzalez se coloca com a sua arma. As paredes dos prédios estão totalmente esburacadas. Felipe segura sua furadeira. A imagem vira pintura, no tamanho de uma polaroid. O convite está feito. “Aqui, quem manda sou eu”, parece dizer, sem constrangimento e com saborosa malícia, o artista.
Na sala central da galeria, quatro pinturas de Felipe continuam a atacar. Com impacto. Letra de rap na tela (Racionais), palavras de ordem, manifestos violentos -porém- por vezes niilista. O grafiteiro -que sempre se esconde- pinta seu próprio retrato. Ele olha para fora da tela e está raivoso. Nos players, ruídos eletrônicos para uma trilha. A letra está nas letras. As letras estão nas elas. Mas acima de tudo, o que se vê é boa pintura.
Felipe Gonzalez continua a mostrar domínio de sua expressividade nos vídeos. Na série “desencubando” enfrenta três elementos: o cubo de carne, o cubo de metal e o cubo de madeira. Com máquina sem corte, um porrete ou uma cortadeira, mostra a total inadequação entre a ferramenta e o objeto, a insistência do sujeito, o humor da desconformidade. Em “1 desenho + livre”, grava uma espécie de diálogo entre tatuador (ele mesmo) e tatuado que conduz uma tatuagem sem script, sem desenho, sem simbologia préestabelecida. É algo avesso até da própria idéia de tatuagem como identificadora de um grupo. A “toscoagem”, como é chamada durante o vídeo, “fura” o circuito da tatuagem. É, sobretudo, desenho feito com tinta na pele. Basta.
Memória
André parece mostrar em Giroflexxxx três etapas de uma idéia. Sobre plantas de casas, que corrói com ácido, escarnifica depois com lâmina ou ponta seca, André constrói imagens de extrema dramaticidade. O artista desenha sobre a memória, o documento, o projeto, a “idéia” de casa planejada. Sua intervenção nas plantas tem um quê de brincadeira. Coloca nelas móveis desenhados à mão, esqueletos, “gentes” dentro dos cômodos, fora deles, como se não
soubesse que o plano de visão da planta é aéreo e seus objetos estão num outro “layer” espacial.
Além de sobrepor ao plano da planta um outro plano que confunde e um pouco caçoa da leitura do fundo, ele sobrepõe também dois traços, duas linguagens. A linguagem que está registrada no suporte é a da padronização da expressão de uma idéia. É uma parte de um projeto. É um registro de um desejo, já “materializado” em cálculo e tornado representação. É a planificação de uma coisa a ser construída. É um código que deve ser entendido por todos, uma das etapas de ligação entre o desejo de fazer e a materialização da coisa construída. O traço que o artista impõe sobre o plano calculado é, ao contrário, algo completamente particular, e impossível de ser “compreendido” por todos. É gesto firme pelo que aprofunda no papel, mas é construído de ensaios de desenho, é inacabado, feito de linhas abandonadas que apenas sugerem a continuidade de certos contornos.
Quando se lança no papel em branco, Andre se entrega ao seu próprio “plano”, agora no sentido do desejo, de materializar algo que se imagina. O resultado é afirmativo. É desenho delicado, preciso, poético. Saindo do papel, a casa vira objeto e é, enfim, construída. Dentro dela, escombros de casas de verdade, restos de outras casas de verdade.
Cor
A poesia e o caráter onírico dos trabalhos de Tiago Judas estão tanto na beleza das imagens que registram a mistura de fluxos -o colorido, que sai de dentro do corpo, com o turvo/azulado, que está no meio externo_ quanto em seu homem “vazado” em queda que se vê próximo ao teto do cubo branco da galeria. Nas fotos que registram a experiência do mix de líquidos, vêm como brinde para quem se encantar por elas as próprías cores, encerradas em cubos de acrílico dispostos como escala, no chão da galeria. Será porém nos vídeos, em que a liguagem se materializa imagem, que fará mais sentido vê-lo como poeta visual (se alguém estiver interessado em definições).
Nos poucos minutos – cuidadosos e precisos- que exibe, convida o público a acompanhá-lo no percurso lírico de uma idéia. Tiago Judas exercita com domínio o jogo que conduz à graça que conduz à duração. “Rápido” como um hai kai, mas transformador como a experiência do sonho, do prazer estético.
*(giroflex é o nome da lanterna giratória usada nos carros de polícia; xxxx dá conta de um determinado grau de confidencialidade e/ou proibição de filmes, informações, arquivos…)