Edgard de Souza justapõe obras que parecem antagônicas em sua produção. Características marcantes em sua obra – a dualidade entre em um espaço íntimo de investigação e um trabalho voltado ao público, e o virtuosismo na produção de suas peças tridimensionais – estão presentes em sua primeira individual na Galeria Vermelho.
De um lado, Edgard de Souza explicita o seu virtuosismo na construção de esculturas, como nas obras “Autofagia II”, de 2015, que traz a figura espelhada, uma constante em sua obra; e em “Acaso (hélice)” e “Acaso (Saci)”, ambas de 2015, aonde o ato de nutrir-se da própria carne (como apontado pelo título da escultura anterior) aparece amplificado. “Autofagia II” é a maior e mais intrincada escultura em bronze já produzida pelo artista. Os dois corpos que se cruzam, não são mais simétricos, parecem estar em pleno embate aonde apenas um sobreviverá, num amálgama entre lascívia e luta. Do outro lado estão os desenhos da série “Rabisco”, de 2015, aonde o artista nos mostra o novo território de seu embate de autodevoração. À primeira vista, os desenhos em caneta sobre papel, parecem gatafunhos e garatujas aleatórios e pueris.
São, no entanto, resultado de um procedimento constante na obra do artista, como nos autorretratos em cibachrome de fins dos anos de 1990. As fotografias desse período parecem servir tanto como exploração de seu próprio corpo para o desenvolvimento de suas esculturas, quanto como um nó com a própria obra – mais uma vez a autodevoração.
Esses autorretratos foram editados pelo selo Edições Tijuana em formato de livro de artista, em lançamento simultâneo a abertura da exposição e deflagram as primeiras montagens, em estudos rudimentares, feitas pelo artista utilizando um aparelho de fax para combinar imagens.
De modo parecido ao das fotografias, os “Rabiscos” registram movimentos de Edgard de Souza. São desenhos feitos durante missões simples: dançar, falar ao telefone, usar as duas mãos ao mesmo tempo, usar a caneta até o fim, ser simétrico, evitar a simetria. Cada uma dessas incumbências gera um desenho diferente, seja gráfica ou materialmente, que se impõe sobre o suporte de modo diferente. No entanto são embates e análises de seu corpo, que parece presente em cada um deles. Por vezes, o esforço dispendido na aplicação do corpo sobre o papel é tanto que a pigmentação da tinta se funde com entalhos formados pelo movimento repetitivo e terminam por compor superfícies de características epidérmicas.
Em “Restauro”, 2011, o artista restaura um pano de chão velho e rasgado em um processo manual de costura, oferecendo vida a um objeto morto. O movimento é contrário aos dos “Rabiscos”: devolvendo o pano à sua forma original, porém repleto da habilidade construtiva do artista.
Na série “Conforto”, desenvolvida entre 2013 e 2015, Edgard desloca almofadas que parecem provindas de cadeiras e que deveriam oferecer aconchego e bem-estar ao status de escultura. As almofadas, além de terem seu lugar e posição desvirtuados, são deformadas em feitio entre conchas seguras e protetoras e formas desajustadas e austeras.
O conforto de Edgard de Souza parece estar nesse terreno entre o controle absoluto do virtuoso e a perda de controle que move sua produção adiante.
A crítica e curadora Lisette Lagnado, escreveu no catálogo da exposição panorâmica do artista na Pinacoteca do Estado de São Paulo, em 2004, que “Se tomarmos como paradigma existencial que Edgard de Souza começa a produzir num período marcado pelo ‘medo’, será inevitável constatar um recolhimento para um sítio interno”. Lagnado se refere ao aparecimento da AIDS e o subsequente adoecimento de algumas pessoas que rodeavam o artista na década de 1980. O aparecimento da doença instala um vetor inversamente proporcional ao da efervescência jovem daquele instante. Entram em embate impulsos de selvageria e de abrigo; de racionalidade e barbárie com a mesma intensidade.
Essa duplicidade é vista na produção de Edgard desde suas primeiras esculturas construídas como animais mobília-anamórficos de fins da década de 1980 e início da década de 1990. Nesse momento, pernas de móveis como criados-mudos e poltronas, elaborados para fins de solidez ou repouso, são encimados por formas orgânicas finalizadas com peles de animais como vacas, zebras ou cobras que formam buracos, falos destorcidos ou lembram cavalos prontos para serem montados. São repouso e saracoteio em um.
Esse duelo é amplificado pelas figuras espelhadas na produção de Edgard de Souza, como no banco “Sem título” de 1990, nas cadeiras “Sem título”, de 1997, no bronze “Sem título” de 1997 e em “Autofagia I”, de 2013. Nessas peças, o duplo é igual e parece consumir a si mesmo, como sugerido no título da peça mais recente. Como no processo celular de mesmo nome, as esculturas parecem ingerir-se num processo que envolve morte e vida simultaneamente.
Edgard de Souza justapõe obras que parecem antagônicas em sua produção. Características marcantes em sua obra – a dualidade entre em um espaço íntimo de investigação e um trabalho voltado ao público, e o virtuosismo na produção de suas peças tridimensionais – estão presentes em sua primeira individual na Galeria Vermelho.
De um lado, Edgard de Souza explicita o seu virtuosismo na construção de esculturas, como nas obras “Autofagia II”, de 2015, que traz a figura espelhada, uma constante em sua obra; e em “Acaso (hélice)” e “Acaso (Saci)”, ambas de 2015, aonde o ato de nutrir-se da própria carne (como apontado pelo título da escultura anterior) aparece amplificado. “Autofagia II” é a maior e mais intrincada escultura em bronze já produzida pelo artista. Os dois corpos que se cruzam, não são mais simétricos, parecem estar em pleno embate aonde apenas um sobreviverá, num amálgama entre lascívia e luta. Do outro lado estão os desenhos da série “Rabisco”, de 2015, aonde o artista nos mostra o novo território de seu embate de autodevoração. À primeira vista, os desenhos em caneta sobre papel, parecem gatafunhos e garatujas aleatórios e pueris.
São, no entanto, resultado de um procedimento constante na obra do artista, como nos autorretratos em cibachrome de fins dos anos de 1990. As fotografias desse período parecem servir tanto como exploração de seu próprio corpo para o desenvolvimento de suas esculturas, quanto como um nó com a própria obra – mais uma vez a autodevoração.
Esses autorretratos foram editados pelo selo Edições Tijuana em formato de livro de artista, em lançamento simultâneo a abertura da exposição e deflagram as primeiras montagens, em estudos rudimentares, feitas pelo artista utilizando um aparelho de fax para combinar imagens.
De modo parecido ao das fotografias, os “Rabiscos” registram movimentos de Edgard de Souza. São desenhos feitos durante missões simples: dançar, falar ao telefone, usar as duas mãos ao mesmo tempo, usar a caneta até o fim, ser simétrico, evitar a simetria. Cada uma dessas incumbências gera um desenho diferente, seja gráfica ou materialmente, que se impõe sobre o suporte de modo diferente. No entanto são embates e análises de seu corpo, que parece presente em cada um deles. Por vezes, o esforço dispendido na aplicação do corpo sobre o papel é tanto que a pigmentação da tinta se funde com entalhos formados pelo movimento repetitivo e terminam por compor superfícies de características epidérmicas.
Em “Restauro”, 2011, o artista restaura um pano de chão velho e rasgado em um processo manual de costura, oferecendo vida a um objeto morto. O movimento é contrário aos dos “Rabiscos”: devolvendo o pano à sua forma original, porém repleto da habilidade construtiva do artista.
Na série “Conforto”, desenvolvida entre 2013 e 2015, Edgard desloca almofadas que parecem provindas de cadeiras e que deveriam oferecer aconchego e bem-estar ao status de escultura. As almofadas, além de terem seu lugar e posição desvirtuados, são deformadas em feitio entre conchas seguras e protetoras e formas desajustadas e austeras.
O conforto de Edgard de Souza parece estar nesse terreno entre o controle absoluto do virtuoso e a perda de controle que move sua produção adiante.
A crítica e curadora Lisette Lagnado, escreveu no catálogo da exposição panorâmica do artista na Pinacoteca do Estado de São Paulo, em 2004, que “Se tomarmos como paradigma existencial que Edgard de Souza começa a produzir num período marcado pelo ‘medo’, será inevitável constatar um recolhimento para um sítio interno”. Lagnado se refere ao aparecimento da AIDS e o subsequente adoecimento de algumas pessoas que rodeavam o artista na década de 1980. O aparecimento da doença instala um vetor inversamente proporcional ao da efervescência jovem daquele instante. Entram em embate impulsos de selvageria e de abrigo; de racionalidade e barbárie com a mesma intensidade.
Essa duplicidade é vista na produção de Edgard desde suas primeiras esculturas construídas como animais mobília-anamórficos de fins da década de 1980 e início da década de 1990. Nesse momento, pernas de móveis como criados-mudos e poltronas, elaborados para fins de solidez ou repouso, são encimados por formas orgânicas finalizadas com peles de animais como vacas, zebras ou cobras que formam buracos, falos destorcidos ou lembram cavalos prontos para serem montados. São repouso e saracoteio em um.
Esse duelo é amplificado pelas figuras espelhadas na produção de Edgard de Souza, como no banco “Sem título” de 1990, nas cadeiras “Sem título”, de 1997, no bronze “Sem título” de 1997 e em “Autofagia I”, de 2013. Nessas peças, o duplo é igual e parece consumir a si mesmo, como sugerido no título da peça mais recente. Como no processo celular de mesmo nome, as esculturas parecem ingerir-se num processo que envolve morte e vida simultaneamente.