Curadoria: Cristina Ricupero
Como em toda boa história de detetive, a história da arte é cheia de enigmas: mitos e mistérios insolúveis que aguardam para serem investigados e desvendados, como em pinturas que sugerem esconderijos perfeitos para segredos ocultos. Encontrar solução para esses enigmas intelectuais é um prazer para pessoas de todas as idades e épocas. Ninguém praticamente está imune dessa tentação cultural. A galeria de arte se transforma, a partir dessa perspectiva, no local da “cena do crime”.
Os artistas sempre se sentiram fascinados pelo lado obscuro da natureza humana, mas foi apenas no século XIX que esse aspecto adquiriu dimensões mais radicais. As ligações sutis entre arte e crime podem ser rastreadas até tempos antigos, mas apenas no século XIX elas foram teorizadas, quando Thomas De Quincey publicou seu famoso ensaio “On Murder Considered as one of the Fine Arts” (1827). Neste ensaio seminal, De Quincey propõe ironicamente que o homicídio deve ser analisado a partir de um ponto de vista estético e não ético ou sociológico.
Walter Benjamin observou que o desenvolvimento da técnica fotográfica foi crucial para o surgimento da criminologia e de sua representação na imprensa, criando condições para a popularização das histórias de detetive. Ele explicava, com efeito, que essas histórias só puderam passar a existir quando os seres humanos desenvolveram a capacidade de deixar marcas permanentes como prova inequívoca de sua existência. Mais tarde, o cinema acompanhou a fotografia, tornando-se o meio perfeito para capturar e transformar em imagens agradáveis os duvidosos encantos da violência.
A exposição ‘Suspicious Minds’ se concentra especialmente em obras de artistas contemporâneos que ultrapassam os limites que vinculam a arte à estética do crime. Para além do crime, existe sempre a questão do Mal. Qualquer projeto que aborde arte e crime acabará, portanto, nos forçando a examinar a relação entre ética e estética. Da mesma forma que o artista que tenta resistir à tentação de não deixar rastros, o serial killer vai “assinar” seus crimes com sua marca pessoal a fim de assegurar seu reconhecimento público. O projeto “Suspicious Minds” é, assim, a ocasião perfeita para discutir questões relacionadas com autoria, autenticidade, trapaça e fraude. “Suspicious Minds” pretende reunir ficção policial e arte contemporânea, indo além da dicotomia entre “bom” e “mau” gosto, com destaque para a relação entre “crime como arte” e “arte como crime”. Com isso, a exposição retoma o debate sobre as relações entre vanguarda, modernismo e cultura popular.
“Suspicious Minds” evoca o espírito do moderno gênero do crime em literatura, artes visuais, arquitetura e cinema, convertendo as salas da Vermelho em várias “cenas de crime”.
O objetivo da exposição não é servir como mera ilustração ou comentário acerca do crime. Algumas propostas abordam o assunto diretamente, enquanto outras funcionam de forma mais mental, histórica ou conceitual, criando subtemas como: obras de arte como esconderijo de segredos ocultos; gêneros de crime moderno e histórias de detetive; a estética do crime (cadavres exquis e o cinematográfico); a imagem do artista como marginal; lei, ordem e transgressão; autoria, autenticidade, truques e fraudes; a galeria de arte como cena do crime; como a sociedade cria o mal: o ocidente contra o oriente, etc.
As obras na exposição revelam a curiosidade obsessiva e desejo de interpretação do detetive, a identificação narcísica com o criminoso, assim como o prazer fetichista do observador. Alguns projetos abordam a questão da autenticidade e da fraude, o que poderia ser considerado por alguns como “crimes de arte”. Outros projetos tendem a representar o crime de forma macabra ou sublime, como no cinema, enquanto outros projetos fornecem evidências de eventos históricos comuns – os crimes sociais e políticos. Alguns projetos combinam essas três tendências.
Na obra “Strictu”, de Cildo Meireles, o espectador é confrontado com um espaço que evoca uma sala de interrogatório, na qual uma pequena mesa mal iluminada é rodeada por uma longa corrente com bolas de aço e algemas. A lâmpada usada em interrogatórios ilumina um pequeno pedaço de papel, revelando uma declaração da Ku Klux Klan: “Nós queremos roubar seu tempo. Queremos roubar seu espaço. Queremos roubar sua mente.” Nesse caso, o controle da mente e do corpo ocupa o centro da atenção. O significado violento dessas palavras faz alusão ao autoritarismo, mas, para Meireles, além do sentido social e político obviamente implícito a elas, adquirem também significado artístico-cultural. Meireles oferece ao observador a liberdade de interagir com a obra ou não, agregando à ela algemas e bolas de ferro de prisão e, assim, experimentar fisicamente opressão e limitação.
Em “Apagamentos”, Rosângela Rennó retrabalha fotografias feitas pela polícia científica. Esse resgate de rostos anônimos que revelam crimes e tragédias particulares é dotado de uma narrativa de alto impacto e funciona como um “documento da amnésia”. Cenas que por pouco não foram apagadas ganham, em “Apagamentos”, ares de ficção literária.
Na fachada da galeria, a artista Eva Grubinger instalou uma bandeira e uma placa de bronze, da Embaixada da Eitopomar, um reino utópico na selva amazônica governado pelo vilão Dr. Mabuse.
O artista Gabriel Lester recriou para “Suspicious Minds” a instalação “Habitat Sequence”. Na instalação, a sala 1 da Vermelho foi totalmente decorada como uma sala de estar, que, embora não pretenda imitar uma “cena do crime”, se assemelha a um local onde algo fantasmagórico e misterioso está prestes a acontecer.
Em sua recente pintura, da série “Farsa”, Dora Longo Bahia nos aproxima das guerras contemporâneas, colocando lado a lado uma imagem da pintura de Jacques Louis David “Marat assassine”, com outra que apresenta o cadáver de um líder estudantil, Edson Luiz, assassinado pelo regime militar, em 1968, durante a ditadura militar brasileira, e vandaliza ambas as pinturas com tinta acrílica vermelha.
Já Kader Attia, propõe uma seleção de slides, que integra o projeto “The Culture of Fear: An Invention of Evil # 2”, que reproduzem imagens de jornais e HQs nas quais o homem não ocidental é repetidamente exibido como um animal ou um monstro. Sua seleção de slides denuncia a manipulação das imagens pela propaganda pró-colonialista que se esconde atrás de uma suposta missão civilizatória.
Censura, manchetes de jornais sensacionalistas, bem como o crime e a brutalidade policial têm destaque na obra “Clandestinas” de Antonio Manuel, que recriam a trajetória de revoltas da história brasileira ao longo dos últimos quarenta anos. Manuel apresenta duas de suas conhecidas intervenções em jornais dos anos 70, onde ele justapõe situações políticas e estéticas, além de “Pêndulo”, obra criada a partir da instalação “Fantasma” (Phantom).
Gustavo Von Ha traz de volta o espírito de alguns dos Modernistas de 1922, entre os quais Tarsila do Amaral, por meio de uma série de apropriações situadas num cenário Beaux-Arts. Com questões semelhantes, a artista Sandra Gamarra apresenta cópias da famosa série de pinturas do artista alemão Gerard Richter, “October 18, 1977”, criada a partir de fotos retiradas dos meios de comunicação de membros da organização terrorista Baader-Meinhof, em meados da década de 1970.
A artista Lili Reynaud-Dewar apresenta a instalação ‘Speaking of Revolt, Media and Beauty’, composta por uma série de esculturas feitas em gesso cobertas com tinta preta ao lado de um filme criado em parceria com seu amigo e ex-professor Pierre Ciquel, onde eles discutem a vida e obra de Jean Genet. O filme aborda questões como o engajamento de Genet com o grupo Panteras Negras, com os palestinos e, basicamente, o que é preciso para ser escritor, ativista e ladrão ao mesmo tempo.
‘Crime Master’ é o título da nova instalação da dupla Dias & Riedweg criada especialmente para a exposição “Suspicious Minds”. A obra é composta por uma foto da série “O espelho da Tarde’, de 2011, e um novo filme. O protagonista do filme, que também aparece na foto, tem um sonho, no qual ele rouba sua própria foto exposta na galeria de arte e a leva para sua casa na favela do Morro do Alemão, na cidade do Rio de Janeiro. Questões relacionadas ao artista como criminoso em potencial e autenticidade são fundamentais na obra.
No dia 10 de março de 1914, Mary Richardson entrou na National Gallery, em Londres, e desferiu várias punhaladas na tela “Vênus do Espelho” de Velásquez. O livro de artista “Elements of Beauty”, de Carla Zaccagnini, reúne material documental sobre ações desse tipo levadas a cabo em museus e galerias pelo grupo Suffragettes. A obra propõe uma leitura centrada em atos nos quais a obra de arte se transforma em vítima.
A maior parte das pinturas e desenhos de Jean-Luc Blanc são permeados pelo mundo do cinema e da imprensa. Suas obras funcionam como ‘stills de filme”, imagens que ele cuidadosamente toma emprestadas de seus filmes favoritos e as reencena, e que vai desde o filme noir clássico, thrillers, até filmes B totalmente desconhecidos. Blanc criou para o hall de entrada da Vermelho uma pintura similar `a capa de um ‘pulp magazine’ assinando-a com o título da exposição `Suspicious Minds’. Blanc apresenta ainda uma série de novos desenhos.
Há muitos anos, o artista Brice Dellsperger tem se ocupado em recriar seqüências de seus filmes favoritos (‘Twin Peaks’, ‘Dressed to Kill’, ‘Star Wars’ e muitos outros), nos quais ele mesmo e outros atores representam os papeis. Na série de filmes ainda em curso chamada “Double Body”, Dellsperger revisita Brian de Palma e o cineasta cult Kenneth Anger com “Body Double 1’ e ‘Body Double 26 ‘.
No mesmo espirito cinematográfico, o filme gótico da artista Aida Ruilova, “Goner’, apresenta uma jovem atacada por forças obscuras e invisíveis, pontuado por uma trilha sonora altamente assustadora que invade o espaço, transformando o espectador em um verdadeiro voyeur. “Suspicious Minds” conta ainda com objetos, imagens iconográficas e com um trecho de ‘A Meia-Noite Levarei Sua Alma’ (‘At Midnight I’ll Take Your Soul’), filme do cineasta cult José Mojica Marins, também conhecido pelo seu alter-ego Zé do Caixão, em homenagem ao grande mestre e pioneiro do cinema de terror brasileiro.
De forma distinta, a artista Asli Cavusoglu imita a série criminal CSI (Crime Scene Investigation), reunindo nos três episódios da vídeo instalação “Crime in Three Acts”, profissionais da arte confrontados com peritos forenses. Em “Crime in Three Acts” exposições de arte aparecem como cenas de crime e obras de arte tornam-se armas. Já o filme do artista Sven Augustijen, ‘L’école des pickpockets’, uma mistura entre documentário e ficção, apresenta ao público dois ladrões de carteira profissionais que dão uma aula sobre sua arte.
O artista Fabian Marti faz uma homenagem a Hélio Oiticica com uma série de fotografias que se referem às “Cosmococas”. A dupla de brasileiros Gisela Motta e Leandro Lima apresenta Armas.org, composta por colagens em tamanho real de pistolas e rifles encontrados em vídeogames. Os artistas apresentam também “Bala Perdida” instalação composta por buracos de bala em diferentes paredes da galeria. A artista Regina Parra mostra uma série de pequenas pinturas intitulada ‘Controle’, baseadas em imagens tiradas de câmeras de vigilância segundos antes de incidentes trágicos. Guga Ferraz apresenta pinturas que literalmente mapeiam as zonas do crime organizado na cidade do Rio de Janeiro. Marcelo Cidade propõe um banco como escultura onde o espectador poderá ler confortavelmente o livro “A Arte de Furtar”, de José Ubaldo Ribeiro, enquanto José Carlos Martinat arranca do espaço urbano da cidade, um graffiti com as palavras ‘Proibido’ (Forbidden).
Essas são as histórias que serão oferecidas ao visitante da mostra como enigmas a decifrar.
Primeira exposição de Cristina Ricupero no Brasil, “Suspicious Minds” é uma colaboração entre a Galeria Vermelho e a curadora, que conta com o apoio do Consulado Geral da França em São Paulo, da Fundação ProHelvetia [Suíça] e do Bundesministerium für Unterricht, Kunst und Kultur [Austria]. Uma outra versão desse projeto será apresentada em janeiro 2014 no centro de arte contemporânea Witte de With, em Roterdã, na Holanda.
Curadoria: Cristina Ricupero
Como em toda boa história de detetive, a história da arte é cheia de enigmas: mitos e mistérios insolúveis que aguardam para serem investigados e desvendados, como em pinturas que sugerem esconderijos perfeitos para segredos ocultos. Encontrar solução para esses enigmas intelectuais é um prazer para pessoas de todas as idades e épocas. Ninguém praticamente está imune dessa tentação cultural. A galeria de arte se transforma, a partir dessa perspectiva, no local da “cena do crime”.
Os artistas sempre se sentiram fascinados pelo lado obscuro da natureza humana, mas foi apenas no século XIX que esse aspecto adquiriu dimensões mais radicais. As ligações sutis entre arte e crime podem ser rastreadas até tempos antigos, mas apenas no século XIX elas foram teorizadas, quando Thomas De Quincey publicou seu famoso ensaio “On Murder Considered as one of the Fine Arts” (1827). Neste ensaio seminal, De Quincey propõe ironicamente que o homicídio deve ser analisado a partir de um ponto de vista estético e não ético ou sociológico.
Walter Benjamin observou que o desenvolvimento da técnica fotográfica foi crucial para o surgimento da criminologia e de sua representação na imprensa, criando condições para a popularização das histórias de detetive. Ele explicava, com efeito, que essas histórias só puderam passar a existir quando os seres humanos desenvolveram a capacidade de deixar marcas permanentes como prova inequívoca de sua existência. Mais tarde, o cinema acompanhou a fotografia, tornando-se o meio perfeito para capturar e transformar em imagens agradáveis os duvidosos encantos da violência.
A exposição ‘Suspicious Minds’ se concentra especialmente em obras de artistas contemporâneos que ultrapassam os limites que vinculam a arte à estética do crime. Para além do crime, existe sempre a questão do Mal. Qualquer projeto que aborde arte e crime acabará, portanto, nos forçando a examinar a relação entre ética e estética. Da mesma forma que o artista que tenta resistir à tentação de não deixar rastros, o serial killer vai “assinar” seus crimes com sua marca pessoal a fim de assegurar seu reconhecimento público. O projeto “Suspicious Minds” é, assim, a ocasião perfeita para discutir questões relacionadas com autoria, autenticidade, trapaça e fraude. “Suspicious Minds” pretende reunir ficção policial e arte contemporânea, indo além da dicotomia entre “bom” e “mau” gosto, com destaque para a relação entre “crime como arte” e “arte como crime”. Com isso, a exposição retoma o debate sobre as relações entre vanguarda, modernismo e cultura popular.
“Suspicious Minds” evoca o espírito do moderno gênero do crime em literatura, artes visuais, arquitetura e cinema, convertendo as salas da Vermelho em várias “cenas de crime”.
O objetivo da exposição não é servir como mera ilustração ou comentário acerca do crime. Algumas propostas abordam o assunto diretamente, enquanto outras funcionam de forma mais mental, histórica ou conceitual, criando subtemas como: obras de arte como esconderijo de segredos ocultos; gêneros de crime moderno e histórias de detetive; a estética do crime (cadavres exquis e o cinematográfico); a imagem do artista como marginal; lei, ordem e transgressão; autoria, autenticidade, truques e fraudes; a galeria de arte como cena do crime; como a sociedade cria o mal: o ocidente contra o oriente, etc.
As obras na exposição revelam a curiosidade obsessiva e desejo de interpretação do detetive, a identificação narcísica com o criminoso, assim como o prazer fetichista do observador. Alguns projetos abordam a questão da autenticidade e da fraude, o que poderia ser considerado por alguns como “crimes de arte”. Outros projetos tendem a representar o crime de forma macabra ou sublime, como no cinema, enquanto outros projetos fornecem evidências de eventos históricos comuns – os crimes sociais e políticos. Alguns projetos combinam essas três tendências.
Na obra “Strictu”, de Cildo Meireles, o espectador é confrontado com um espaço que evoca uma sala de interrogatório, na qual uma pequena mesa mal iluminada é rodeada por uma longa corrente com bolas de aço e algemas. A lâmpada usada em interrogatórios ilumina um pequeno pedaço de papel, revelando uma declaração da Ku Klux Klan: “Nós queremos roubar seu tempo. Queremos roubar seu espaço. Queremos roubar sua mente.” Nesse caso, o controle da mente e do corpo ocupa o centro da atenção. O significado violento dessas palavras faz alusão ao autoritarismo, mas, para Meireles, além do sentido social e político obviamente implícito a elas, adquirem também significado artístico-cultural. Meireles oferece ao observador a liberdade de interagir com a obra ou não, agregando à ela algemas e bolas de ferro de prisão e, assim, experimentar fisicamente opressão e limitação.
Em “Apagamentos”, Rosângela Rennó retrabalha fotografias feitas pela polícia científica. Esse resgate de rostos anônimos que revelam crimes e tragédias particulares é dotado de uma narrativa de alto impacto e funciona como um “documento da amnésia”. Cenas que por pouco não foram apagadas ganham, em “Apagamentos”, ares de ficção literária.
Na fachada da galeria, a artista Eva Grubinger instalou uma bandeira e uma placa de bronze, da Embaixada da Eitopomar, um reino utópico na selva amazônica governado pelo vilão Dr. Mabuse.
O artista Gabriel Lester recriou para “Suspicious Minds” a instalação “Habitat Sequence”. Na instalação, a sala 1 da Vermelho foi totalmente decorada como uma sala de estar, que, embora não pretenda imitar uma “cena do crime”, se assemelha a um local onde algo fantasmagórico e misterioso está prestes a acontecer.
Em sua recente pintura, da série “Farsa”, Dora Longo Bahia nos aproxima das guerras contemporâneas, colocando lado a lado uma imagem da pintura de Jacques Louis David “Marat assassine”, com outra que apresenta o cadáver de um líder estudantil, Edson Luiz, assassinado pelo regime militar, em 1968, durante a ditadura militar brasileira, e vandaliza ambas as pinturas com tinta acrílica vermelha.
Já Kader Attia, propõe uma seleção de slides, que integra o projeto “The Culture of Fear: An Invention of Evil # 2”, que reproduzem imagens de jornais e HQs nas quais o homem não ocidental é repetidamente exibido como um animal ou um monstro. Sua seleção de slides denuncia a manipulação das imagens pela propaganda pró-colonialista que se esconde atrás de uma suposta missão civilizatória.
Censura, manchetes de jornais sensacionalistas, bem como o crime e a brutalidade policial têm destaque na obra “Clandestinas” de Antonio Manuel, que recriam a trajetória de revoltas da história brasileira ao longo dos últimos quarenta anos. Manuel apresenta duas de suas conhecidas intervenções em jornais dos anos 70, onde ele justapõe situações políticas e estéticas, além de “Pêndulo”, obra criada a partir da instalação “Fantasma” (Phantom).
Gustavo Von Ha traz de volta o espírito de alguns dos Modernistas de 1922, entre os quais Tarsila do Amaral, por meio de uma série de apropriações situadas num cenário Beaux-Arts. Com questões semelhantes, a artista Sandra Gamarra apresenta cópias da famosa série de pinturas do artista alemão Gerard Richter, “October 18, 1977”, criada a partir de fotos retiradas dos meios de comunicação de membros da organização terrorista Baader-Meinhof, em meados da década de 1970.
A artista Lili Reynaud-Dewar apresenta a instalação ‘Speaking of Revolt, Media and Beauty’, composta por uma série de esculturas feitas em gesso cobertas com tinta preta ao lado de um filme criado em parceria com seu amigo e ex-professor Pierre Ciquel, onde eles discutem a vida e obra de Jean Genet. O filme aborda questões como o engajamento de Genet com o grupo Panteras Negras, com os palestinos e, basicamente, o que é preciso para ser escritor, ativista e ladrão ao mesmo tempo.
‘Crime Master’ é o título da nova instalação da dupla Dias & Riedweg criada especialmente para a exposição “Suspicious Minds”. A obra é composta por uma foto da série “O espelho da Tarde’, de 2011, e um novo filme. O protagonista do filme, que também aparece na foto, tem um sonho, no qual ele rouba sua própria foto exposta na galeria de arte e a leva para sua casa na favela do Morro do Alemão, na cidade do Rio de Janeiro. Questões relacionadas ao artista como criminoso em potencial e autenticidade são fundamentais na obra.
No dia 10 de março de 1914, Mary Richardson entrou na National Gallery, em Londres, e desferiu várias punhaladas na tela “Vênus do Espelho” de Velásquez. O livro de artista “Elements of Beauty”, de Carla Zaccagnini, reúne material documental sobre ações desse tipo levadas a cabo em museus e galerias pelo grupo Suffragettes. A obra propõe uma leitura centrada em atos nos quais a obra de arte se transforma em vítima.
A maior parte das pinturas e desenhos de Jean-Luc Blanc são permeados pelo mundo do cinema e da imprensa. Suas obras funcionam como ‘stills de filme”, imagens que ele cuidadosamente toma emprestadas de seus filmes favoritos e as reencena, e que vai desde o filme noir clássico, thrillers, até filmes B totalmente desconhecidos. Blanc criou para o hall de entrada da Vermelho uma pintura similar `a capa de um ‘pulp magazine’ assinando-a com o título da exposição `Suspicious Minds’. Blanc apresenta ainda uma série de novos desenhos.
Há muitos anos, o artista Brice Dellsperger tem se ocupado em recriar seqüências de seus filmes favoritos (‘Twin Peaks’, ‘Dressed to Kill’, ‘Star Wars’ e muitos outros), nos quais ele mesmo e outros atores representam os papeis. Na série de filmes ainda em curso chamada “Double Body”, Dellsperger revisita Brian de Palma e o cineasta cult Kenneth Anger com “Body Double 1’ e ‘Body Double 26 ‘.
No mesmo espirito cinematográfico, o filme gótico da artista Aida Ruilova, “Goner’, apresenta uma jovem atacada por forças obscuras e invisíveis, pontuado por uma trilha sonora altamente assustadora que invade o espaço, transformando o espectador em um verdadeiro voyeur. “Suspicious Minds” conta ainda com objetos, imagens iconográficas e com um trecho de ‘A Meia-Noite Levarei Sua Alma’ (‘At Midnight I’ll Take Your Soul’), filme do cineasta cult José Mojica Marins, também conhecido pelo seu alter-ego Zé do Caixão, em homenagem ao grande mestre e pioneiro do cinema de terror brasileiro.
De forma distinta, a artista Asli Cavusoglu imita a série criminal CSI (Crime Scene Investigation), reunindo nos três episódios da vídeo instalação “Crime in Three Acts”, profissionais da arte confrontados com peritos forenses. Em “Crime in Three Acts” exposições de arte aparecem como cenas de crime e obras de arte tornam-se armas. Já o filme do artista Sven Augustijen, ‘L’école des pickpockets’, uma mistura entre documentário e ficção, apresenta ao público dois ladrões de carteira profissionais que dão uma aula sobre sua arte.
O artista Fabian Marti faz uma homenagem a Hélio Oiticica com uma série de fotografias que se referem às “Cosmococas”. A dupla de brasileiros Gisela Motta e Leandro Lima apresenta Armas.org, composta por colagens em tamanho real de pistolas e rifles encontrados em vídeogames. Os artistas apresentam também “Bala Perdida” instalação composta por buracos de bala em diferentes paredes da galeria. A artista Regina Parra mostra uma série de pequenas pinturas intitulada ‘Controle’, baseadas em imagens tiradas de câmeras de vigilância segundos antes de incidentes trágicos. Guga Ferraz apresenta pinturas que literalmente mapeiam as zonas do crime organizado na cidade do Rio de Janeiro. Marcelo Cidade propõe um banco como escultura onde o espectador poderá ler confortavelmente o livro “A Arte de Furtar”, de José Ubaldo Ribeiro, enquanto José Carlos Martinat arranca do espaço urbano da cidade, um graffiti com as palavras ‘Proibido’ (Forbidden).
Essas são as histórias que serão oferecidas ao visitante da mostra como enigmas a decifrar.
Primeira exposição de Cristina Ricupero no Brasil, “Suspicious Minds” é uma colaboração entre a Galeria Vermelho e a curadora, que conta com o apoio do Consulado Geral da França em São Paulo, da Fundação ProHelvetia [Suíça] e do Bundesministerium für Unterricht, Kunst und Kultur [Austria]. Uma outra versão desse projeto será apresentada em janeiro 2014 no centro de arte contemporânea Witte de With, em Roterdã, na Holanda.