Em 1971, Claudia Andujar publicou o ensaio fotográfico A Sônia no primeiro número da Revista de Fotografia (junho de 1971), que na época tinha George Love como editor. Segundo Andujar, o ensaio consumiu 10 rolos de filmes que foram refotografados utilizando, inclusive, um Repronar. O ensaio foi apresentado na forma de projeção de slide, no MASP, em 1971, com a música I had a Dream do cantor, compositor e fundador da banda The Loovin Spoonful, John Sebastian.
A Sônia
“Sônia veio da Bahia. Queria ser modelo. Tentou as editoras e os estúdios de diversos fotógrafos, mas não conseguiu trabalho. Conheci-a nessa ocasião. Sônia não apresentava as características comuns às modelos. Alguma coisa, entretanto, havia nessa moça que me impressionava fortemente. Mas eu não sabia o que era. Guardei seu endereço. Não demorei a chamá-la. Realizamos este ensaio. Depois, sem outra oportunidade, Sônia voltou à Bahia.
O corpo humano é para mim o objeto mais belo que existe. Por isso, há anos sonhava em realizar um ensaio fotográfico sobre as formas físicas da mulher para conseguir revelar sua essência. No mundo atual, os homens têm menos consciência do próprio corpo. Essa consciência quando é clara e procurada, aumenta misteriosamente a beleza e o significado do corpo, como se lhe atribuísse cores. Assim, sinto as mulheres azuis e os homens cinza. O fascínio que pode exercer um corpo feminino em quem o observa e estuda, vai além da sensualidade, tornando-o objeto perfeito para a criação artística. Inclusive, é possível também que, como mulher, ao realizar um ensaio estético sobre as formas físicas femininas, eu esteja procurando uma identificação reflexa e idealizada do que desconheço do meu próprio corpo. Mas não poderei explicar por que Sônia, a moça que todos os meus colegas recusaram como modelo, servia perfeitamente para o meu ensaio. E mais, por que o corpo azul de Sônia se tornaria a revelação das imagens de um sonho?
No primeiro dia, depois de uma hora de fotografias, tive de interromper o trabalho. Sônia não sabia posar. Porém, era justamente disso que provinha seu encanto inocente. Os gestos e atitudes não profissionais revelaram uma sensualidade mansa, tranquila. Ela não parecia estar diante da câmera fotográfica, mas fora do mundo. Tentei compreender esse outro mundo oferecendo-lhe alguns discos para escolher um. Sônia ouviu vários e depois ficou repetindo uma única canção: I had a Dream (Eu tive um sonho), de autoria de John B. Sebastian, em que o próprio compositor a cantou acompanhado por um violão no Festival de Woodstock. Por coincidência era uma de minhas canções prediletas. Sônia não compreendia uma só palavra da letra. Quando voltamos ao trabalho, ouvindo essa música, ela assumia espontaneamente poses oníricas, sem saber tratar-se de um sonho o que Sebastian cantava. Assim, Sônia me revelou também o que eu sempre quis captar no corpo de uma mulher. E o ensaio fotográfico que realizava integrou-se de forma definitiva com essa música. Era um sonho, ou melhor, eu tivera um sonho em qualquer instante de minha vida e o estava decifrando no trabalho com Sônia.
Usei apenas um fundo infinito branco. Foram três horas de fotografias convencionais, poucas para um trabalho profissional tão importante para mim: 10 rolos de 36 exposições. Minha intenção era fazer fotos simples e diretas. A partir dessas fotos é que teve início a fase mais complexa e criativa, embora já totalmente programada. Eu chamei essa fase de reconstrução da imagem de Sônia, ou elaboração. Durante a semana em que refotografei as imagens selecionadas, fiz cortes de toda natureza usando filtros de diferentes cores, efetuando revelações em positivo e negativo. Finalmente cheguei a 90 cromos: a sequência ideal. A música de Sebastian agia no meu inconsciente, estimulando a sensibilidade e a intuição. Não sei se era a própria música ou o que ela representava naqueles instantes. Quando cheguei ao final, pude dizer que já não existia mais Sônia. Projetei a série para mim mesma. A felicidade que senti me garantiu que o velho sonho havia sido realizado.”
Claudia Andujar
Em 1971, Claudia Andujar publicou o ensaio fotográfico A Sônia no primeiro número da Revista de Fotografia (junho de 1971), que na época tinha George Love como editor. Segundo Andujar, o ensaio consumiu 10 rolos de filmes que foram refotografados utilizando, inclusive, um Repronar. O ensaio foi apresentado na forma de projeção de slide, no MASP, em 1971, com a música I had a Dream do cantor, compositor e fundador da banda The Loovin Spoonful, John Sebastian.
A Sônia
“Sônia veio da Bahia. Queria ser modelo. Tentou as editoras e os estúdios de diversos fotógrafos, mas não conseguiu trabalho. Conheci-a nessa ocasião. Sônia não apresentava as características comuns às modelos. Alguma coisa, entretanto, havia nessa moça que me impressionava fortemente. Mas eu não sabia o que era. Guardei seu endereço. Não demorei a chamá-la. Realizamos este ensaio. Depois, sem outra oportunidade, Sônia voltou à Bahia.
O corpo humano é para mim o objeto mais belo que existe. Por isso, há anos sonhava em realizar um ensaio fotográfico sobre as formas físicas da mulher para conseguir revelar sua essência. No mundo atual, os homens têm menos consciência do próprio corpo. Essa consciência quando é clara e procurada, aumenta misteriosamente a beleza e o significado do corpo, como se lhe atribuísse cores. Assim, sinto as mulheres azuis e os homens cinza. O fascínio que pode exercer um corpo feminino em quem o observa e estuda, vai além da sensualidade, tornando-o objeto perfeito para a criação artística. Inclusive, é possível também que, como mulher, ao realizar um ensaio estético sobre as formas físicas femininas, eu esteja procurando uma identificação reflexa e idealizada do que desconheço do meu próprio corpo. Mas não poderei explicar por que Sônia, a moça que todos os meus colegas recusaram como modelo, servia perfeitamente para o meu ensaio. E mais, por que o corpo azul de Sônia se tornaria a revelação das imagens de um sonho?
No primeiro dia, depois de uma hora de fotografias, tive de interromper o trabalho. Sônia não sabia posar. Porém, era justamente disso que provinha seu encanto inocente. Os gestos e atitudes não profissionais revelaram uma sensualidade mansa, tranquila. Ela não parecia estar diante da câmera fotográfica, mas fora do mundo. Tentei compreender esse outro mundo oferecendo-lhe alguns discos para escolher um. Sônia ouviu vários e depois ficou repetindo uma única canção: I had a Dream (Eu tive um sonho), de autoria de John B. Sebastian, em que o próprio compositor a cantou acompanhado por um violão no Festival de Woodstock. Por coincidência era uma de minhas canções prediletas. Sônia não compreendia uma só palavra da letra. Quando voltamos ao trabalho, ouvindo essa música, ela assumia espontaneamente poses oníricas, sem saber tratar-se de um sonho o que Sebastian cantava. Assim, Sônia me revelou também o que eu sempre quis captar no corpo de uma mulher. E o ensaio fotográfico que realizava integrou-se de forma definitiva com essa música. Era um sonho, ou melhor, eu tivera um sonho em qualquer instante de minha vida e o estava decifrando no trabalho com Sônia.
Usei apenas um fundo infinito branco. Foram três horas de fotografias convencionais, poucas para um trabalho profissional tão importante para mim: 10 rolos de 36 exposições. Minha intenção era fazer fotos simples e diretas. A partir dessas fotos é que teve início a fase mais complexa e criativa, embora já totalmente programada. Eu chamei essa fase de reconstrução da imagem de Sônia, ou elaboração. Durante a semana em que refotografei as imagens selecionadas, fiz cortes de toda natureza usando filtros de diferentes cores, efetuando revelações em positivo e negativo. Finalmente cheguei a 90 cromos: a sequência ideal. A música de Sebastian agia no meu inconsciente, estimulando a sensibilidade e a intuição. Não sei se era a própria música ou o que ela representava naqueles instantes. Quando cheguei ao final, pude dizer que já não existia mais Sônia. Projetei a série para mim mesma. A felicidade que senti me garantiu que o velho sonho havia sido realizado.”
Claudia Andujar