Sonhos Yanomami (2002) foi um dos últimos trabalhos realizados por Claudia Andujar a partir do seu acervo de imagens sobre o povo Yanomami. Lúdica, poética e reveladora, a série é composta por 20 imagens geradas por meio da sobreposição de cromos e negativos fotografados a partir de 1971, quando Andujar teve seu primeiro contato com o povo indígena de Roraima.
Como toda relação prevê transformação, o encontro de Andujar com os Yanomami transformou a vida de ambos de forma permanente.
Na trajetória de Andujar, Sonhos Yanomami reflete o momento de um certo alívio, de um certo descanso que só foi possível após a artista e seus pares vencerem a batalha travada com o governo federal Brasileiro que culminou com a demarcação das Terras Indígenas Yanomami (TIY), em 1992.
Finalmente, um mundo possível para a cultura Yanomami estaria assegurado pelo direito à terra reconhecido por lei. Triste falácia. Hoje sabemos que a vida dos povos originários remanescentes do Brasil nunca estará assegurada enquanto perdurar a especulação ilegal em seus territórios.
A cosmologia que surge nos Sonhos de Andujar só foi possível após quase 30 anos de vida em comum. A série é o resultado da interiorização da relação entre a estrangeira, como ela era chamada nas primeiras vezes que lá esteve, e o povo que hoje a chama de napa (mãe).
Experimentos anteriores já apontavam para a busca da artista de evadir o campo da simples representação dos modos de vida deste povo, nas belas imagens preto e branco com bordas difusas e propositadamente desfocadas. Mas foi em Sonhos que a obra parece ter sido completada.
Passagem de um mundo possível a outro mundo possível, o conceito embutido na série revela imagens do pensamento distintas da cognição. São representações individuais ou coletivas que, sobrepostas a imagens de natureza, exprimem estados de seres da cosmologia Yanomami.
Se há algo que deve ser dito acerca da obra de Andujar, não é certamente a tarefa incorporada pela artista de explicar o mundo onírico Yanomami, mas a de multiplicar nosso mundo. Como diz a artista, não tenho mais tempo para fotografar. Na verdade, faço muito mais que isto, fotografia é uma coisa mínima.
Já a instalação Genocídio do Yanomami: morte do Brasil foi apresentada originalmente em abril de 1989, no Museu de Arte de São Paulo [MASP].
A mostra tinha como objetivo homenagear Davi Kopenawa Yanomami que, em 1988, recebeu da ONU o Prêmio Global 500, além de sensibilizar a opinião pública sobre a situação enfrentada pelo povo Yanomami, que na época padecia de doenças causadas pelo contato com mineradores ilegais.
O Genocídio do Yanomami: morte do Brasil que vemos agora é composto por 228 imagens refotografadas e agrupadas pela própria artista. As imagens evanescentes da primeira versão que empregava projetores de slides e espelhos, ou a que integra a mostra A Luta Yanomami , que emprega projetores de vídeo e imagens digitais, retornam ao seu formato original impressas sobre papel. Esse procedimento, bastante usado pela artista, tem o poder de recontextualizar imagens feitas a partir do inicio dos anos 1970. Por meio de práticas como esta, Andujar agrega atualidade às imagens já conhecidas, ressignificando seus conteúdos de acordo com o contexto em que são inseridas.
Coincidência ou simples repetição de padrões, pouco mais de 30 anos após a primeira apresentação pública da instalação, os povos originários voltam a viver uma situação talvez ainda pior. Hoje, além dos estimados quase 20.000 mineradores ilegais instalados em terras Yanomami, e de um vírus que viaja pelo ar, as populações indígenas são afetadas pela necropolítica do governo que horizontalizou o genocídio. Os valores humanitários característicos do estado social implantado no século 20 se esvaem, e o sentimento que prevalece é de não sermos mais capazes de imaginar um futuro, pois o próprio poder se encarrega de impedir seu aparecimento, aniquilando a crença e o sonho. Agindo sobre o corpo vivo, analógico, a necropolítica descarta a possibilidade de futuro e estabelece a distopia como presente num tempo onde já não há tempo.
No Brasil, genocídio é sinônimo de projeto de governo.
Marcos Gallon, 2021
Sonhos Yanomami (2002) foi um dos últimos trabalhos realizados por Claudia Andujar a partir do seu acervo de imagens sobre o povo Yanomami. Lúdica, poética e reveladora, a série é composta por 20 imagens geradas por meio da sobreposição de cromos e negativos fotografados a partir de 1971, quando Andujar teve seu primeiro contato com o povo indígena de Roraima.
Como toda relação prevê transformação, o encontro de Andujar com os Yanomami transformou a vida de ambos de forma permanente.
Na trajetória de Andujar, Sonhos Yanomami reflete o momento de um certo alívio, de um certo descanso que só foi possível após a artista e seus pares vencerem a batalha travada com o governo federal Brasileiro que culminou com a demarcação das Terras Indígenas Yanomami (TIY), em 1992.
Finalmente, um mundo possível para a cultura Yanomami estaria assegurado pelo direito à terra reconhecido por lei. Triste falácia. Hoje sabemos que a vida dos povos originários remanescentes do Brasil nunca estará assegurada enquanto perdurar a especulação ilegal em seus territórios.
A cosmologia que surge nos Sonhos de Andujar só foi possível após quase 30 anos de vida em comum. A série é o resultado da interiorização da relação entre a estrangeira, como ela era chamada nas primeiras vezes que lá esteve, e o povo que hoje a chama de napa (mãe).
Experimentos anteriores já apontavam para a busca da artista de evadir o campo da simples representação dos modos de vida deste povo, nas belas imagens preto e branco com bordas difusas e propositadamente desfocadas. Mas foi em Sonhos que a obra parece ter sido completada.
Passagem de um mundo possível a outro mundo possível, o conceito embutido na série revela imagens do pensamento distintas da cognição. São representações individuais ou coletivas que, sobrepostas a imagens de natureza, exprimem estados de seres da cosmologia Yanomami.
Se há algo que deve ser dito acerca da obra de Andujar, não é certamente a tarefa incorporada pela artista de explicar o mundo onírico Yanomami, mas a de multiplicar nosso mundo. Como diz a artista, não tenho mais tempo para fotografar. Na verdade, faço muito mais que isto, fotografia é uma coisa mínima.
Já a instalação Genocídio do Yanomami: morte do Brasil foi apresentada originalmente em abril de 1989, no Museu de Arte de São Paulo [MASP].
A mostra tinha como objetivo homenagear Davi Kopenawa Yanomami que, em 1988, recebeu da ONU o Prêmio Global 500, além de sensibilizar a opinião pública sobre a situação enfrentada pelo povo Yanomami, que na época padecia de doenças causadas pelo contato com mineradores ilegais.
O Genocídio do Yanomami: morte do Brasil que vemos agora é composto por 228 imagens refotografadas e agrupadas pela própria artista. As imagens evanescentes da primeira versão que empregava projetores de slides e espelhos, ou a que integra a mostra A Luta Yanomami , que emprega projetores de vídeo e imagens digitais, retornam ao seu formato original impressas sobre papel. Esse procedimento, bastante usado pela artista, tem o poder de recontextualizar imagens feitas a partir do inicio dos anos 1970. Por meio de práticas como esta, Andujar agrega atualidade às imagens já conhecidas, ressignificando seus conteúdos de acordo com o contexto em que são inseridas.
Coincidência ou simples repetição de padrões, pouco mais de 30 anos após a primeira apresentação pública da instalação, os povos originários voltam a viver uma situação talvez ainda pior. Hoje, além dos estimados quase 20.000 mineradores ilegais instalados em terras Yanomami, e de um vírus que viaja pelo ar, as populações indígenas são afetadas pela necropolítica do governo que horizontalizou o genocídio. Os valores humanitários característicos do estado social implantado no século 20 se esvaem, e o sentimento que prevalece é de não sermos mais capazes de imaginar um futuro, pois o próprio poder se encarrega de impedir seu aparecimento, aniquilando a crença e o sonho. Agindo sobre o corpo vivo, analógico, a necropolítica descarta a possibilidade de futuro e estabelece a distopia como presente num tempo onde já não há tempo.
No Brasil, genocídio é sinônimo de projeto de governo.
Marcos Gallon, 2021