176 x 310 x 60 cm
Case de guitarra (fundo vermelho), 2 painéis de caixas de ovo e madeira cedrinho Foto Edouard Fraipont158,5 x 160 x 52 cm
Case de instrumentos, painel caixas de ovos com madeira cedrinho, guitarra elétrica, estande de guitarra, cabo e amplificador Foto Edouard Fraipont140 x 102 x 5 cm
Tapadeira de madeira e feltro, espuma e caixa de som Foto Edouard Fraipont226 x 120 x 41 cm
Tapadeira de madeira, eucatex perfurado, feltro, cobertor e flauta de Pã Foto Edouard Fraipont190 x 100 x 41 cm
Parede acústica de de madeira, feltro e trompete Foto Edouard Fraipont Em Tapadeira com violão, Chelpa Ferro trata de maneira pictórica elementos elaborados para a contenção da propagação do som.121 x 102 cm x 41 cm
Tapadeira de madeira, carpete, borracha, violão, tapete de palha e atabaque Foto Edouard Fraipont Em Tapadeira com violão, Chelpa Ferro trata de maneira pictórica elementos elaborados para a contenção da propagação do som.42 x 104 x 15 cm
Acrílico, placa ecológica Tetra Pak e madeira
Foto Edouard Fraipont265 x 360 cm
Microfone, amplificador, pedal, trilho de metal com um motor e um sensor, cabos e vasos de diversos Foto Ding Musa Entram pelas orelhas e saem pelos olhos - Tunga, 2010 Estou incerto, me vejo num interior sem cores. Há luz mas é invisível, é uma luz tátil. Vou tateando portanto, procurando bordas, sondo uma seqüência delas tentando me achar, pois o que me contém deve ter uma forma. (tenda, gruta, baleia, templo…tudo o que contém deve ter bordas) Seguem os toques, atribuem consistências diversas, macias, úmidas, almiscaradas, quentes e vitríolas… vou juntando toques, que agrego aos precedentes. Embora de qualidades diversas, vou construindo um todo e cada toque pegando a outro com cola; a cola do imaginário. Densa é a “nuvem”onde me encontro, parece contínua. Procuro buracos, devem lá estar. Se ali estou, há um exterior. Se ali entrei, deve haver um buraco De entrada, de saída... Mas não é assim. Resquícios à luz rarefeita se faz visível. Estou na arquitetura onde entrei, onde isso começou. Não é de certo a que descrevo, prefiro esta que percorro. Sei porque estou dentro dela e a vejo, é macia, é úmida, espantosa, algodoado tangente e almiscarada, é vitríola e fervilhante. Sei pois a vejo, posso tocá-la e também por dentro. Posso mesmo vê-la me vendo, embora cego à luz invisível. Súbito cessa o som. Faz-se o inaudível, embora sonoro, ecoa... Se retrai o enorme volume, reduzindo, se esfacela, esfarela, pulverizando-se é sugado. Vigorosamente injetado dentro da minha orelha. Faz-se visível uma luz que de meus olhos escapa. Por meus olhos sai como volume heliocêntrico, difuso, espantoso, tangente, vitríolo, almiscarado. Visível. Enche o espaço, é um compacto. Apenas buracos e ocos, recheados. Não há mais vazios, não há mais buracos. Não há mais ocos. Somos um só almiscarado, vitríolo, tangente, úmido, espantoso... Também, só que no sentido inverso, imerso na arquitetura vejo uma série de ocos. Vasos ocos. Armou-se um estratagema, um equipamento ou dispositivo que os transforma, os traduz. Este dispositivo clareia os vasos de luz, luz invisível. Vemos os vasos embora transparentes. Entram pelas orelhas e saem pelos olhos. Saem cheios de tanta coisa que não cabem nos ocos, cheio de tanta coisa que já não cabem no buraco. Não há mais oco, não há mais buraco. Tudo está cheio. Nota – Glossário Arquitetura é um buraco e suas bordas onde posso estar. Escultura é um oco e suas beiras no buraco onde estou e posso tocar.Dimensões variáveis
Tubo de madeira, caixas de som, cabo de aço, roldana, motor com temporizador pré-programado, cabos de áudio, aparelho de som, cd de áudio e composição sonora. Totoro é um projeto especialmente desenvolvido pelo Chelpa Ferro para o espaço do Octógono, na Pinacoteca do Estado. A partir de uma trilha sonora composta pelo grupo, vários dispositivos são articulados para possibilitar a ocupação do espaço expositivo, do interior do museu, pelo som, usado aqui como elemento escultórico, autônomo e modelador da sua própria forma. Um sistema de roldanas movimenta, por meio de um motor previamente programado, um conjunto de caixas de som, que sobe e desce, desaparecendo, de tempos em tempo, em um tubo de madeira no centro da sala, fazendo com que a propagação do som se dê em três planos. Não há, entretanto, uma programação que coordene os incidentes da trilha sonora com o ritmo do movimento vertical. Conta a história que o Totoro, um espírito protetor das florestas, vive em uma árvore de cânfora gigantesca e que apenas algumas crianças com qualidades específicas podem vê-lo. À noite, quando ele sai pela a copa da árvore, por meio de uma explosão e emitindo ruídos, deixa um agradável odor de cânfora que, pelas suas qualidades profiláticas, contribui para a assepsia da floresta. Personagem tornado popular pelos mangás infantis e por filmes de animação, nesse projeto do Chelpa Ferro ele traz uma evocação da cultura pop, dos vídeo-games, dos brinquedos transformer: o conjunto de caixas de som, na sua aparência, transita entre totem e robô super-herói. Ao mesmo tempo, a propagação do som funciona como uma espécie de odor de cânfora, que se espalha pelo museu de modo refrescante, numa encantadora profilaxia. Ivo MesquitaDimensões variáveis
30 motores, sacolas plásticas, cabos, sistema sincronizador e computador. Foto Chelpa Ferro “Jungle Jam” é uma instalação composta por trinta motores dispostos sobre as paredes do espaço expositivo. Cada motor é conectado a um pino, e este a uma sacola plástica. Quando ativados por um sincronizador, os motores fazem girar os pinos e, com eles, as sacolas plásticas, que produzem sons ritmados.150 x Ø300 cm
Moby Dick - bateria modificadaCriado em 1995, o Chelpa Ferro é composto pelos artistas Luiz Zerbini, Barrão e Sérgio Mekler. O grupo realiza trabalhos que misturam experiências com música eletrônica, esculturas e instalações em apresentações ao vivo e exposições.
Seus trabalhos já foram apresentados nas Bienais de São Paulo [2002, 2004], Liverpool [2002], Havana [2003], e Veneza [2005]. Dentre as exposições individuais, destacam-se Chelpa Ferro: Visual Sound, Aldrich Museum, Connecticut, EUA [2011], Totoro, Pinacoteca do Estado de São Paulo, São Paulo, Brasil [2009], Jardim Elétrico, Galeria Vermelho, São Paulo, Brasil [2008], e Hum, Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil [2003]. Os artistas vivem e trabalham no Rio de Janeiro.
Criado em 1995, o Chelpa Ferro é composto pelos artistas Luiz Zerbini, Barrão e Sérgio Mekler. O grupo realiza trabalhos que misturam experiências com música eletrônica, esculturas e instalações em apresentações ao vivo e exposições.
Seus trabalhos já foram apresentados nas Bienais de São Paulo [2002, 2004], Liverpool [2002], Havana [2003], e Veneza [2005]. Dentre as exposições individuais, destacam-se Chelpa Ferro: Visual Sound, Aldrich Museum, Connecticut, EUA [2011], Totoro, Pinacoteca do Estado de São Paulo, São Paulo, Brasil [2009], Jardim Elétrico, Galeria Vermelho, São Paulo, Brasil [2008], e Hum, Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil [2003]. Os artistas vivem e trabalham no Rio de Janeiro.
Chelpa Ferro
Criado em 1995 pelos artistas plásticos Jorge Barrão, Luiz Zerbini e Sergio Mekler
Os artistas do Chelpa Ferro vivem e trabalham no Rio de Janeiro
Exposições Individuais
2019
– Spacemen/Cavemen – Galeria Cavalo – Rio de Janeiro – Brasil
2018
– Chelpa Ferro: Spacemen/Cavemen – Marsèlleria – Milão – Itália
2017
– Chelpa Ferro: Spacemen/Cavemen – Spovieri – Londres – Inglaterra
2016
– Unlimited – Art Basel – Basiléia – Suíça
2015
– Chelpa Ferro – I Prêmio CCBB Contemporâneo 2015-2016 – CCBB RJ – Rio de Janeiro – Brasil
2014
– Aquário Suave Sonora – Galeria Vermelho – São Paulo – Brasil
2013
– Maué Metal [Performance] – Union Square Park – Nova York – EUA
2012
– Craca – Carpe Diem Arte e Pesquisa – Lisboa – Portugal
2011
– Spacemen/Cavemen – Galeria Vermelho – São Paulo – Brasil
– Chelpa Ferro: Visual Sound – The Aldrich Contemporary Art Museum – Ridgefield – EUA
2010
– MIC – Galeria Vermelho – São Paulo – Brasil
– Jungle Jam – Sprovieri Gallery – Londres – Inglaterra
2009
– Acusma – VideoBrasil – SESC Paulista – São Paulo – Brasil
– Chelpa Ferro – Galeria Progetti – Rio de Janeiro – Brasil
– Totoro – Projeto Octógono de Arte Contemporânea – Pinacoteca do Estado – São Paulo – Brasil
2008
– Acusma – Museu de Arte da Pampulha – Belo Horizonte – Brasil
– Jungle Jam – MAM-BA – Museu de Arte Moderna [MAM BA] – Salvador – Brasil
– Jardim Elétrico – Galeria Vermelho – São Paulo – Brasil
– Netmage 008 – International Live-Media Festival [8th edition] – Palazzo Re Enzo – Bolonha – Itália
– Jungle Jam – Caixa Cultural – Rio de Janeiro – Brasil
2007
– On-Off Poltergeist – Mezkalito Gallery – Londres – Inglaterra
2006
– Jungle Jam – Foundation for Art and Creative Technology – Liverpool – Inglaterra
2005
– Estabilidade Provisória – projeto “Respirações” – Fundação Eva Klabin – Rio de Janeiro – Brasil
– Chelpa Ferro – Galeria Vermelho – São Paulo – Brasil
2003
– HUM – Museu de Arte Moderna [MAM RJ] – Rio de Janeiro – Brasil
2001
– Chelpa Ferro – Galeria Fortes Vilaça – São Paulo – Brasil
1997
– Paço Imperial – Rio de Janeiro – Brasil
Exposições Coletivas
2024
– Virada Sônica – Farol Santander – São Paulo – Brasil
– Luiz Zerbini: Paisagens Ruminadas – Centro Cultural Banco do Brasil [CCBB RJ] – Rio Janeiro – Brasil
2023
– Casa no céu – Galeria Vermelho – São Paulo – Brasil
– Elementar: fazer junto – Museu de Arte Moderna (MAM SP) – São Paulo – Brasil
2021
– Brasil! 17 artisti contemporanei dalla collezione di Ernesto Esposito – Embaixada do Brasil em Roma – Roma – Itália
2020
– Mecarõ. Amazonia en la Colección Petitgas – Montpellier Contemporain [MO.CO] – Montpellier – França
2019
– Canção Enigmática – relações entre arte e som nas coleções MAM RJ – Museu de Arte Moderna [MAM] – Rio de Janeiro – Brasil
– Lado B: O Disco de Vinil na Arte Contemporânea Brasileira – Sesc Belenzinho – São Paulo – Brasil
2018
– Caixa-Preta – Fundação Iberê Camargo – Porto Alegre – Brasil
– Esculturas para ouvir – Museu Brasileiro da Escultura e Ecologia (MUBE) – São Paulo – Brasil
2017
– Ready Made in Brasil – Galeria de Arte do Sesi – Centro Cultural FIESP – São Paulo – Brasil
– Disco É Cultura: o disco de vinil e o toca-disco na arte contemporânea brasileira 1969-2017 – Castelinho do Flamengo – Rio de Janeiro – Brasil
2016
– Por aqui tudo é novo – Galeria Mata – Instituto Inhotim – Brumadinho – Brasil
– Coletiva – Galeria Vermelho – São Paulo – Brasil
– Acervo Videobrasil em Contexto # 1 – Galpão VB – São Paulo – Brasil
2015
– Ruído – Oficina Oswald Andrade – São Paulo – Brasil
– Building Imaginery Bridges Across Hard Ground – Art Dubai Contemporary – Dubai – Emirados Árabes
– HAPPENINGS 05 – Casa França-Brasil – Rio de Janeiro – Brasil
2014
– Diálogos com Palatnik – Museu de Arte Moderna (MAM SP) – São Paulo – Brasil
– Arte Futebol, Futebol Arte – Instituto Tomie Ohtake – São Paulo -Brasil
2012
– 18º Festival de arte Contemporânea_Videobrasil [30 Anos Panoramas do Sul] – SESC Pompéia – São Paulo – Brasil
– Reinventando o Mundo – Museu Vale – Vila Velha – Brasil
– Instante : experiência/acontecimento em Arte e Tecnologia – SESC Santo André – Santo André – Brasil
– Tropikalizmy – Gdańsk City Gallery – Gdańsk – Polônia
– O retorno da coleção Tamagni: até as estrelas por caminhos difíceis – Museu de Arte Moderna [MAM SP] – São Paulo – Brasil
2011
– Vestígios de Brasilidade – Santander Cultural Recife – Recife –PE – Brasil
– ECO – Estação Cultural Senador Ermírio de Moraes – Recife – Brasil
2010
– Entre Desejos e Utopias – Galeria A Gentil Carioca – Rio de Janeiro – Brasil
– Livre Tradução – Galeria Vermelho – São Paulo – Brasil
-Nam June Paik Award 2010 – International Media Art Award of the Arts Foundation of North Rhine-Westphalia, Alemanha.
– A máquina de abraçar – SESC Pompéia – são paulo – Brasil
– Paralela 2010- A contemplação do mundo- Liceu de Artes e Ofício- São Paulo- Brasil
2009
– 7ª Bienal do Mercosul – Grito e Escuta – Rio Grande do Sul – Brasil
– Arquivo Contemporâneo – Museu de Arte Contemporânea [MAC Niteroi] – Niterói – Brasil
– The Communism of Forms – AGYU – Art Gallery of York University – Toronto – Canadá
2008
– Container Art – Parque Villa Lobos – São Paulo – Brasil
– Performance Presente Futuro – Oi Futuro – Rio de Janeiro – Brasil
– Laços do Olhar – Instituto Tomie Ohtake – São Paulo – Brasil
– Contraditório – Panorama da Arte Brasileira – Sala Alcalá 31 – Madri – Espanha
2007
– Futuro do Presente – Instituto Itaú Cultural – São Paulo – Brasil
– Contraditório – Panorama de Arte Brasileira – Museu de Arte Moderna [MAM SP] – São Paulo – Brasil
– Jardim do Poder –Centro Cultural Banco do Brasil [CCBB] – Brasília – Brasil
– Invenções Sonoras – SESC Consolação – São Paulo – Brasil
– Comunismo da Forma – Galeria Vermelho – São Paulo – Brasil
– Luz ao Sul – Encontro entre dois mares – Bienal de São Paulo-Valência – Museo del Carmen – Valencia – Espanha
2006
– Geração da virada – 10 + 1: os anos recentes da arte brasileira – Instituto Tomie Ohtake – São Paulo – Brasil
– Man [na] Oca – Oca – Parque do Ibirapuera – São Paulo – Brasil
– É hoje na arte contemporânea brasileira – Santander Cultural – Porto Alegre – Brasil
– É hoje na arte contemporânea brasileira –Pinacoteca do Estado de São Paulo – São Paulo – Brasil
– Copa da Cultura – Haus der Kulturen der Welt – Berlim – Alemanha
– Futebol: desenho sobre fundo verde – Centro Cultural Banco do Brasil [CCBB] – Rio de Janeiro – Brasil
2005
– Paisagens Plásticas Sonoras – SESC Pompéia – São Paulo – Brasil
– 51ª Bienalle de Venezia – Veneza – Itália
– Barroco – Centro Cultural Banco do Brasil [CCBB] – Rio de Janeiro – Brasil
2004
– Vol. – Galeria Vermelho – São Paulo – Brasil
– 26ª Bienal de São Paulo – Pavilhão da Bienal – São Paulo – Brasil
– Bem-Vindos – Galeria Vermelho – São Paulo – Brasil
– 3 Hipe – Mostra de música eletrônica e arte sônica – Sesc Pompéia – São Paulo – Brasil
2003
– 8ª Bienal de Havana – Fortaleza de La Cabana – Havana – Cuba
– Som – Instalação no Centro Cultural Oduvaldo Vianna – Rio de Janeiro – Brasil
2002
– 25ª Bienal de São Paulo – São Paulo – Brasil
– poT – The Liverpool Biennial of Contemporary Art – Liverpool – Inglaterra
– Love’s House – Hotel Love’s House – Rio de Janeiro – Brasil
2001
– O Galerista Como Curador – Casa das Rosas – São Paulo – Brasil
– Panorama de Arte Brasileira –Museu de Arte Moderna [MAM SP] – São Paulo – Brasil
– Panorama de Arte Brasileira –Museu de Arte Moderna [MAM RJ] – Rio de Janeiro – Brasil
– Panorama de Arte Brasileira –Museu de Arte Moderna [MAM BA] – Salvador – Brasil
Shows
2012
– Batycki Factory – Gdansk – Polônia
– Chelpa Ferro + Pedro Tudela – Teatro do Bairro – Lisboa – Portugal
– Happenings – Festival Panorama – Rio de Janeiro – Brasil
– Happening ARTE SONORA – EAV Parque Lage – Rio de Janeiro – Brasil
– Humanidade 2012 – Rio +20 – Rio de Janeiro – Brasil
– 3º Festival Circo Digital – Rio de Janeiro – Brasil
– Performance Acusma + Stephane San Juan – Lançamento do múltiplo/vinil Chelpa Ferro 3 – Espaço Tom Jobim – Rio de Janeiro – Brasil
2011
– Projeto Travessias – Favela da Maré – Rio de Janeiro – Brasil
– Aldrich Museum – Connecticut – EUA
– Tudo é Brasil – Florence – Italia
– Maué Metal – Solar de Botafogo – Rio de Janeiro – Brasil
2008
– A Autópsia da Cigarra Gigante: Multiplicidade – Teatro Oi Casa Grande – Rio de Janeiro – Brasil
– Em Contrastes/ Mesas Híbridas – Uberlândia – Minas Gerais – Brasil
– Netmage 08 – International Live Media Festival – 8th Edition – Bolonha – Itália
– Contraditório – Panorama da Arte Brasileira – Madrid – Espanha
2007
– Contraditório – Panorama da Arte Brasileira – MAM – São Paulo – Brasil
– The Space – Londres – Inglaterra
– Festival Desvio – SESC Copacabana – Rio de Janeiro – Brasil
2006
– Festival ON_OFF – Itaú Cultural – São Paulo – Brasil
– Festival Música Fora de Foco – Fundação de Educação Artística – Belo Horizonte – Brasil
– Festival Spa das Artes – Largo de São Pedro – Recife – Brasil
– CEP 20.000 – Centro Cultural Sérgio Porto – Rio de Janeiro – Brasil
2005
– The Maerz Musik Festival 2005 – Berlim – Alemanha
– 15º VideoBrasil Festival Internacional de Arte Eletrônica – SESC Pompéia – São Paulo – Brasil
– Multiplicidade – Centro Cultural Telemar – Rio de Janeiro – Brasil
2004
– Lançamento do CD Chelpa Ferro II – Galeria Vermelho – São Paulo – Brasil
– Projeto ‘Isto é Música?!’ – Centro Cultural Banco do Brasil – Rio de Janeiro – Brasil
– Inventário do Tempo – Teatro Dulcina – Rio de Janeiro – Brasil
2003
– Som – Fundição Progresso – Rio de Janeiro – Brasil
2001
– Adoração do Bezerro – Cine Odeon – Rio de Janeiro – Brasil
– Free Zone – Rio de Janeiro – Curitiba, Porto Alegre e São Paulo – Brasil
2000
– A Garagem do Gabinete de Chico – Inauguração do Espaço – Agora Capacete – Rio de Janeiro – Brasil
1998
– O Gabinete de Chico – XII VídeoBrasil – São Paulo – Brasil
– Quinta dos Infernos – Galeria Alaska – Rio de Janeiro – Brasil
1995
– Espaço Cultural Sergio Porto – Rio de Janeiro – Brasil
Trilhas Sonoras
2003
– Hamlet Contemporâneo – Crônica de um Mundo aos Pedaços – show palestra de Fausto Fawcett – Dantes Livraria – Rio de Janeiro – Brasil
– És Tu, Brazil – documentário dirigido por Murilo Salles
2002
– 4X4 – Cia de Dança Deborah Colker – (coreografia “Mesa”)
1998
– Carlos Nader – vídeo dirigido por Carlos Nader
Discografia
2012
“Chelpa Ferro 3”, Mul.ti.plo.
2004
“Chelpa Ferro II”, Ping Pong.
1997
“Chelpa Ferro”, Rock It! Records.
Coletâneas
2005
“Static commotion”, Dosensos.
2000
“Caipiríssima – batucada eletrônica”, Caipirinha Music
Prêmios
2011
– Indicado ao Prêmio Nam June Paik – Kunst Palast – Dusseldorf – Alemanha [indicação]
1998
– Prêmio especial no 4º MTV Vídeo Music Brazil pelo uso de linguagem inovadora com o clip “Rabo Rato” dirigido por Chelpa Ferro, Carlos Nader e Fábio Soares
Livros e Publicações
SCOVINO, Felipe, “Arquivo Contemporâneo”, Rio de Janeiro: 7 Letras, 2009, P. 152.
BARRÃO, ZERBINI, Luiz e MEKLER, Sérgio. “Chelpa Ferro”. São Paulo: Imprensa Oficial (IMESP), 2008.
HOFFMANN Jens e JONAS Joan. “Perform” Art Works. New York: Thames & Hudson, 2005, P. 184.
Coleções (seleção)
– Museu de Arte Moderna [MAM-SP], São Paulo, Brasil
– Coleção Pinacoteca do Estado de São Paulo. Comodato Roger Wright. São Paulo – Brasil
O chelpa é a mãe de todas as músicas. ele é o som. aquele que você escuta toda hora, e acha que não repercute, não é canção. viagens no tempo espaço sideral das janelas do seu crâneo. como orquestrar o ruído. é a especialidade da casa.
o chelpa cinema é. cinema imaginário. o som imagina mundo. um ser de som que executa suas entranhas sopro no coração jato de suco gástrico dissolvendo o firmamento. o chelpa, um monumento a esse mundo subterrâneo, de ruídos como a conversa do duodeno com o esôfago ou um enxame de vagalumes no alambique.
o chelpa abrindo suas guelras e convocando os griots do planeta rio. uma grei e sua história fluido na terceira margem do pensamento rio que vem do cervantes ao baixo gávea e vaga além mar, rio que brota inflama a alma dourada e se depara com vozes de mercadores de bagdá manda descer pra ver filhos de ghandi.
salve chelpa, chelpa salve. carregado de imagens, o cinema, o teatro. ali o vivo repercute. o vivo de um nabo no bagaço, de um jamelão fumegando. chelparque de diversões do mundo acústico e descosturado. esgarça daqui, esgarça de lá e o que você tem? chelpa ferro na cabeça.
chelparaíso de texturas, chelpa ferro paraíso, onde você é só um ouvido recebendo insumos do mundo da era do rádio, fazendo seu cérebro eletrônico editar mixar até virar uma coisa só, o som do relógio da central ressoando em seu estômago de jacarezinho.
quem com chelpa fere, com ferro será ferido. o chelpa vem de lá onde o bing bang pediu asilo no útero da terra. onde ela larva. com quantos sonidos se faz um trem? tá ligado? sebaláeu. eu vi o chelpa ali na larva, antes de pai e mãe, apenas o fogo, o fogo.
chelpalavras que vibram num telecoteco legal. uma impropriedade é chamar isso que escuto, você não, agora aqui é “onde as paralelas dão palestras”. chelpa um showroom de barulhos. vasto cardápio de ambiências sonoras, o marcapasso de um desfibrilador à beira do gramado.
chelpa ferro e fogo, a natureza, o espaço cósmico, as dobraduras do colon, se liga na gíria dos átomos da luz e os fótons, bicho veloz como quê. ali naquele acelerador de partículas acertando a hora da terra. hora que se dissolve no ego em movimento. fausto excelência. hip hópera. a falsa valsa da cidade. saravá pra quem é de.
chapar com o chelpa. waly, tantão, cabelo, fausto, musica palavra ritmos avariados pela imprecisão incorporar a massa sonora, atravessar o canal da mancha no tapete da sala. o que leva uma coisa à outra? o swing da canção, a porra de um microssom se atrelar a outro e iniciarem outra vez outra volta de acasalamento entre a terra e o céu, segundo o mito navajo. tudo é galinhagem no poleiro das cotovias.
aqui feliz de ser parceiro deles. meu primeiro poema “duende capenga”, de 1971. colaram nele. tamo junto.
I
Vila Maurina, Botafogo, Rio de Janeiro, 2008: duas sucatas de aço colorido retorcido, feltro e outros materiais ficam pousadas na entrada do casarão onde um grupo de pessoas dividem salas e escritórios. Quando vejo as sucatas, pergunto a Luiza Mello, da Automática Produções, o que era aquilo. Ela me diz que eram os restos do Maverick 1974 que o Chelpa Ferro usou para fazer o AUTOBANG.
II
O Autobang foi uma performance histórica do Chelpa Ferro, coletivo formado por Luiz Zerbini, Barrão e Sergio Mekler, na Bienal de Artes em São Paulo. A ação ocorreu em 23 de março de 2002. Seis anos antes do meu encontro com as duas sucatas retorcidas e enferrujadas. Em 2002 vivia mergulhado no meu mestrado sobre cultura marginal nos anos 1960 e 1970 e simplesmente ignorava o que estava acontecendo na Bienal de SP. Mas tinha ouvido falar do Autobang. Sua lenda sobre a destruição de um Maverick impecável e lindo cruzou as fronteiras da minha ignorância em relação às artes visuais e tinha chegado aos meus olhos-ouvidos. Me liguei no Chelpa Ferro e sempre que podia visitava suas exposições. Mas não tinha visto o Autobang. Ele era apenas uma história fantástica, um ato heróico, algo que misturava artes visuais, música, uma certa galera carioca que produzia uma cena amarrando essas duas áreas, com Laufer, Domenico Lancelotti, Bacalhau, Léo Monteiro, Berna Cepas, Chico Neves, Dado Villa-Lobos, Fausto Fawcett, Hermano Vianna, cineastas da Conspiração e da TV Zero, atores, performers e toda uma linhagem de trabalhos e pessoas que continuam em plena atividade.
III
Ao passar todo dia pelas sucatas, ficava com essa ideia fixa na cabeça: as sucatas ainda são a obra? Após o batuque destruidor que o grupo e seus convidados fizeram na abertura da Bienal, o carro todo amassado e seus objetos de batuque-destruição ficaram expostos como obra. A performance em si já tinha ocorrido, o momento de instituição do gesto artístico subversivo já tinha passado. O objeto exposto como escultura do ato performático era uma forma de manter vibrando no pavilhão da Bienal a violência poética do ato. Nas palavras de Agnaldo Farias (um dos críticos que observou de forma mais arguta a obra do Chelpa até hoje), o evento do dia 23 de março de 2002: “o Autobang do Chelpa foi insuperável. A abertura da Bienal parou quando eles começaram. O público foi se aglomerando a sua volta, debruçando-se no guarda-corpo das rampas e dos andares acima, atraído e progressivamente tomado pelo batuque amplificado pela parede de equipamentos sonoros. O ritual, pois era disso que se tratava, foi crescendo à medida que o lindo corpo do automóvel paulatinamente passou de acariciado e suavemente percutido a agredido, em uma prova de que a separação entre o ritmo do batimento cardíaco e o da violência é só uma questão de intensidade”. O clímax, atingido quando o público entrou de vez na dança, estendeu-se por um tempo surpreendentemente longo. O ato só acabou quando todos, entre excitados e cansados, foram se escoando lentamente para fora do prédio. O apagar das luzes ajudou a empurrar a massa. Finalmente apagado, o silêncio ocupou o ambiente todo, como se velasse o corpo amassado e morto da máquina, suspensa no alto de um elevador hidráulico”.
IV
O ato do Autobang é um eco permanente sobre sua lataria. Após a bienal, o carro foi compactado (não sei quanto tempo depois). É esse carro compactado e partido em dois que está aqui na Vila Maurina. Olho para as duas partes, leio o que Agnaldo escreveu e vejo que após o velório do ato destruidor que ocorreu na Bienal, hoje temos aqui o seu cemitério definitivo. Os escombros do Maverick 1974 guardam as marcas da violência poética, do momento em que dezenas de pessoas sentiram-se livres para destruir um objeto simbólico do mercado, do consumo, do fetiche pelo objeto sagrado e aurático – o Maverick. Os membros do Chelpa já disseram que sofreram represálias e ameaças de fãs de Mavericks pelo ato (basta ver no youtube os comentários no vídeo abaixo). Por isso vale muito a declaração deles na época, definindo o Autobang como a destruição de algo que todos tinham apego. Pensaram em ficar com o carro, mas “destruir uma coisa que nós gostávamos potencializou ainda mais a ação”. Para o Chelpa, Autobang é um trabalho sobre o som do desejo / da violência / do instinto / do sexo / do risco / do tempo / do medo / da morte / dos detalhes / do universo.
“É um trabalho de macho sobre o amor”
“É um trabalho sobre o trabalho”.
V
E ficava pensando como podiam duas sucatas me causarem tanto impacto quanto a ação que não vi. O texto é sobre isso. Assisto o vídeo, leio sobre o evento, mas a sucata é mais forte, pois é o resíduo material da memória do ato de 11 anos atrás. O Autobang ainda ecoa entre os ferros retorcidos e o Chelpa Ferro conseguiu encapsular um ato decisivo de sua trajetória em um dejeto sem rumo. Olhar as sucatas do Autobang</ sem ter estado lá no momento da destruição é poder vislumbrar como um túnel do tempo a força das marretadas, os urros da platéia, a excitação dos participantes, a euforia dos golpes, o fim necessário do objeto sagrado. Um ato de amor que se tornou dois pedaços tristes porém persistentes de sua altivez, de sua grandeza, de sua nobreza.
VI
Olhando as sucatas, percebo que mesmo que eu não tenha visto o Autobang do Chelpa em 23 de março de 2002, a obra me olha nos olhos, nas frestas de sua distorção. Me olha nos olhos e me diz que seu ato persistirá para sempre na memória de quem, mesmo que de relance, entenda sua força a partir do seu cadáver. Do seu fim, até o seu começo.
Uma genealogia possível (e necessariamente inconclusa)
A experiência de viver no mundo contemporâneo não pode ser desvinculada dos muitos e diversos sons que o estruturam e o definem. Alguns deles são ostensivos e públicos, ruídos próprios da urbanização dominante e ainda crescente, tais como os produzidos por motores de veículos, turbinas de aviões, concentração de pessoas, sirenes, concertos amplificados de música, buzinas, gritos e máquinas que ocupam fábricas, escritórios e ruas. Outros se oferecem na esfera cada vez mais exígua da vida privada, como os barulhos emitidos por eletrodomésticos que fazem de tudo em casa, as vozes que chegam aos ouvidos por meio da telefonia móvel e fixa, ou as músicas que, vindas de várias fontes e partes, pontuam atividades as mais distintas. A despeito das circunstâncias específicas em que são escutados, são sons que não somente exprimem determinadas formas de sociabilidade, mas que delas fazem parte de modo indiviso.
O fato da dimensão sônica do mundo recente ser incontornável não bastou, contudo, para que fosse incorporada, de maneira plena, no arcabouço simbólico que o campo das artes produziu em mais de um século de ruído intenso. Mesmo no âmbito da composição musical, a maior parte dos barulhos que cercam a vida comum foi ignorada, com freqüência, por não caber em estruturas harmônicas e rítmicas vigentes. Como resultado dessa reduzida capacidade de absorção de ruídos, a representação da vida contemporânea ancora-se mais no sentido da visão do que na capacidade de escuta: enquanto o primeiro abarca, simultaneamente, tudo o que se põe à frente do olho, a audição parece fragmentar, no espaço e no tempo, os estímulos sensoriais que chegam ao ouvido, elegendo apenas alguns como relevantes e descartando a maior parte dos sons como não-significantes, tornando-os, assim, inaudíveis no domínio da cultura.
Diversos artistas, atuantes em disciplinas distintas, questionaram e subverteram, ao longo de todo o século XX, essa clausura cultural a que o mundo submeteu muitos dos ruídos que ele próprio cria. Uma genealogia ligeira dessa afirmação do barulho encontra, entre seus primeiros representantes, o futurista italiano Luigi Russolo, que em 1913 redigiu um manifesto no qual rechaçava a presença ostensiva e alienante de “sons puros” na tradição ocidental da música, advogando a absorção dos “sons-ruídos” que acompanham as mais corriqueiras manifestações da vida. A arte do barulho não deveria se limitar, entretanto, à mera reprodução do que se escuta no mundo, mas basear-se na combinação inventiva desses ruídos. Para tanto, construiu geradores de barulhos acústicos (intonarumori), que, feitos somente de madeira e metal e de maneira quase tosca, permitiam criar sons diferentes e articulá-los uns aos outros.
As idéias de Luigi Russolo chamaram a atenção, nas décadas seguintes, de produtores interessados na ampliação do campo sônico que era reconhecido culturalmente, limitado em relação a outras esferas de conhecimento autorizado do mundo. Ecoaram, em particular, nos experimentos sonoros capitaneados, a partir da década de 1940, pelo pesquisador francês Pierre Schaeffer, acolhidos sob a denominação ampla de “música concreta”. A maior ênfase dessa produção não estava mais, porém, na geração primária de barulhos diversos, mas na exaustiva manipulação de sons gravados previamente. Valendo-se da alteração dos procedimentos mecânicos de reprodução de discos já existentes ou do recurso ao isolamento de um fragmento sonoro gravado para tratá-lo em seguida como autônomo, o interesse maior das pesquisas residia menos nos eventos geradores dos ruídos do que nas qualidades intrínsecas dos sons que aqueles produziam. Propugnava, com isso, uma sensibilidade nova – a “escuta reduzida” –, pretensamente capaz de ampliar o entendimento de como se pode ouvir o entorno vivido.
A tarefa de expandir a presença do som no mundo sensível – combatendo, portanto, a dominância da imagem nesse âmbito do conhecimento – é assumida, coetaneamente, pelo compositor norte-americano John Cage, que, ao contrário do crescente ensimesmamento técnico e estético das propostas ligadas à “música concreta”, enfatizava a relação estreita dos sons com aquilo que lhes dava origem. Para tanto, reuniu e mesclou, em suas composições iniciais, ruídos claramente provenientes de objetos domésticos e outros obtidos por meio de batidas e pancadas em seu piano. Em seguida, abdicou do controle sobre a escolha das fontes, da duração e da intensidade dos barulhos que incorporava à música, fazendo-a equivaler, tão-somente, a todos os sons não-intencionais que ocorressem em um dado espaço e por um período de tempo específico. Por fim, diluiu qualquer restrição territorial para realizar esses agrupamentos de ruídos, gravando, com os recursos tecnológicos disponíveis, todos os sons aos quais pudesse ter acesso (incluindo aqueles que o funcionamento do corpo humano produz), inserindo-os no domínio da música. Contrapondo-se à idéia de que o som seria experimentado em pedaços, instituía a idéia de um campo sônico contínuo, embora sempre atrelado a um contexto preciso.
Essas duas abordagens concorrentes e simultâneas – uma que destaca o som como manifestação exclusiva e apartada das demais coisas do mundo, a outra que o vincula a uma situação de contigüidade com mais esferas sensíveis – marcaram a produção de muitos artistas nas décadas que se seguiram. Para uns, importava mais o caráter abstrato, formal e auto-referente do som, pelo qual seria possível alterar os modos de perceber o que está à volta desde um foco que tinha tido, até então, seu poder cognitivo desdenhado. Para outros, valia entendê-lo justamente como amálgama de uma realidade contaminada e híbrida, na qual uma hierarquia entre meios expressivos e entre lugares de emissão de discursos não fazia mais qualquer sentido. É nessa segunda acepção que vários integrantes do movimento supranacional Fluxus (Nan June Paik, Dick Higgins, George Brecht, La Monte Young) elaboraram, na década de 1960, eventos sonoros que contrariavam as convenções oriundas da área da música, mesmo estando supostamente nela inscritos. Eventos que embaralhavam, sem distinções conceituais quaisquer, ruídos provocados e outros coletados ao acaso, além de trazerem, para o âmbito do sônico, elementos comumente associados ao domínio do visível. Nesse campo perceptivo ampliado também têm lugar – a partir da mesma década – as instalações do norte-americano Max Neuhaus, nas quais sugere que a natureza temporal do som é capaz de redefinir a compreensão de um determinado espaço, indicando a impossibilidade de confinar o conhecimento de algo a uma dimensão investigativa isolada.
Essa tradição impura, marcada pela aproximação entre o que se enxerga e o que se escuta, se adensou, nas décadas seguintes, em diferentes partes do mundo, informando a produção de muitos artistas ditos visuais, incluindo Bernhard Leitner, Bill Fontana, Steve Roden, Stephen Vitiello e Christian Marclay. É assumida, ademais, a partir da década de 1980, por grupos de rock e de música eletrônica, tais como o Sonic Youth e o LFO (Low Frequency Oscillator). E é sob a influência e abrigo desse ambiente informe que é criado, em 1995, o coletivo brasileiro Chelpa Ferro, matizado por influências locais variadas – dos trios elétricos da Bahia às festas de aparelhagem de Belém, de performances de poetas marginais às obras de Hélio Oiticica e de Cildo Meireles – e somadas a uma fome musical ampla que alinha Stockhausen e Sex Pistols, Aphex Twins e Velvet Underground.
O Chelpa Ferro é Barrão, Luiz Zerbini e Sergio Mekler, todos residentes no Rio de Janeiro. O resultado dessa soma não é, entretanto, tão simples assim de ser quantificado, pois cada um de seus componentes traz, de suas trajetórias artísticas individuais – começadas na década de 1980 –, a idéia de juntar pedaços de vários lugares e em mídias as mais diversas. Barrão constrói objetos feitos das partes e sobras de coisas que já existem, sejam elas eletrodomésticos, como no início de sua carreira, ou cacos de utensílios de louça, como em tempos mais próximos. Luiz Zerbini, por sua vez, cria pinturas que articulam tradições diferentes do meio expressivo onde se move, aproximando a representação de alguma coisa à criação do que não havia ainda. Sergio Mekler, por fim, edita e monta imagens filmadas de uma maneira necessariamente singular, quando haveria sempre muitas outras possibilidades de atá-las. Embora suas obras sejam distintas umas das demais, todas evidenciam, portanto, uma coerência que é forçosamente arbitrária e provisória, tornando-se índices da impermanência da relação entre as coisas e as idéias. E é justo esse interesse pelo impreciso e pelo transitório o que talvez mais aproxime os artistas e melhor defina o seu trabalho coletivo, o qual ajunta e apresenta, em formatos variados – objetos, instalações, performances, apresentações de palco e discos –, sons e imagens que conformam a experiência urbana do mundo atual. Interesse pelo ambíguo e pelo passageiro já presente no próprio nome do grupo, junção de uma designação portuguesa antiga e pouca utilizada para dinheiro – meio de troca universal – e a denominação de um metal que muda sua aparência à medida que o tempo passa.
O grau zero da escuta
A despeito de não produzir som algum – ou talvez exatamente por causa do silêncio que o envolve –, Moby Dick (2003) é um dos trabalhos do Chelpa Ferro que melhor condensam a atenção dividida de seus integrantes entre os barulhos e as imagens que os envolvem. Em uma sala expositiva, o visitante depara-se tão-somente com uma agigantada bateria, repleta de tambores, pratos, címbalos, pedais e um banco para acomodar um possível músico. O título hiperbólico do trabalho é, além disso, referência à música homônima gravada, em 1969, pelo grupo de rock inglês Led Zeppelin, em que o baterista John Bonham faz um longo e enérgico solo em seu instrumento. A ausência das baquetas indica, porém, que a bateria não está exposta para ser tocada: nem pelos integrantes do Chelpa Ferro, nem pelo público. O instrumento que produz sons altos e timbres diversos, capazes de encantar e entorpecer o sentido auditivo, é mantido mudo, oferecido exclusivamente ao escrutínio do olhar. A bateria é apresentada aqui, de fato, apenas como potência de som que a visão icônica do instrumento ativa na memória. Ou como barulho que, inscrito na lembrança de alguma forma, pode ser, diante de uma imagem, recordado.
Moby Dick promove, desse modo, uma inversão na maneira unidirecional de relacionar as esferas do som e da visão, freqüente mesmo entre muitos dos praticantes do que se convencionou chamar de arte sonora. Nesse trabalho, em vez de ser um ruído determinado que sugere algo fincado no domínio da visualidade, é a imagem silenciosa e precisa de um objeto que aciona o sentido da audição. Tal alteração no processo perceptivo desfaz hierarquias comumente associadas a experiências sinestésicas, em que a um som corresponderia uma imagem definida, mas à visão concreta de algo não equivaleria um ruído certo. Essa mudança é igualmente patente no trabalho VU (2001) composto de um toca-fitas de rolo analógico – ligado à rede elétrica, mas desconectado de componentes quaisquer de amplificação – que tem a velocidade da fita magnética desacelerada até onde é mecanicamente possível, enquanto o volume é aumentado ao máximo que o equipamento permite. Além do contraponto visual entre o retardo da fita e a elevação do áudio medido pelos ponteiros da “unidade de volume” do toca-fitas (na convenção da língua inglesa, VU, abreviação de “volume unit”), há a discrepância entre a imagem do medidor que remete a muito barulho e a ausência de ruído.
A idéia de que imagens podem ativar a memória de sons informa ainda uma série de outros objetos do Chelpa Ferro, em que traduções entre um e outro campos de percepção (o auditivo e o visual) são oferecidas. São exemplares, a esse respeito, os trabalhos Copo d’água (2001) e Ciclotron (2001), em que ondas sonoras de baixa amplitude, geradas por osciladores de freqüência, são transmitidas através de alto-falantes para recipientes de água e café apoiados sobre esses artefatos de amplificação, compondo, como resultado dos pequenos deslocamentos produzidos naqueles continentes, diferentes desenhos nas superfícies dos líquidos. Tal como em Moby Dick e VU, a percepção do som existe nesses dois trabalhos apenas em decorrência de um estímulo sensorial oferecido ao âmbito do olhar. A investigação da escuta silenciosa do som é ampliada para outras formas de sentir em Cama (2001), em que pessoas se deitam, uma de cada vez, em estrutura semelhante a um tatame suspenso, onde se embutem alto-falantes capazes de transmitir ao corpo ondas diversas de som geradas por equipamento semelhante aos utilizados em Copo d’água e Ciclotron. Embora inaudíveis ao ouvido humano, as baixas freqüências propagadas massageiam músculos e, por meio desse contato, permitem que se percebam, sem o auxílio da audição – e, nesse caso, também sem a concorrência do olhar –, os sons produzidos ali.
Arquitetura e barulho
Embora em vários trabalhos do Chelpa Ferro o som gerado seja da ordem somente do pensado ou mesmo do que é apenas percebido pelo tato, em muitos outros ativa, obviamente, os órgãos próprios da audição. Entre esses, muitos dependem, para emitir registros sonoros, do embate corporal de alguém com os objetos e as instalações que o grupo cria. Totó treme terra (2006), caso modelar desse padrão de trabalho, é um convite a jogar uma partida de futebol entre as seleções do Brasil e da Argentina no tradicional brinquedo, acoplado aqui a diversas caixas acústicas que rodeiam a estrutura física do jogo. A depender de para onde a bola corre e bate, sensores conectados à mesa são acionados, ativando, por sua vez, um sampler com sons pré-gravados, que chegam aos ouvidos através dos vários alto-falantes que os amplificam. Ao envolvimento visual e tátil com a partida, soma-se, portanto, um elemento sônico que, tendo origem nos movimentos dos jogadores em busca do gol, expande o espaço sensível onde se desenrola a partida, envolvendo os presentes – mesmo os que não tomam parte ativa do jogo – em um lugar novo. Já em Maracanã (2003), o visitante depara-se com uma estrutura circular formada por gigantescas caixas acústicas, todas com os alto-falantes voltados para o espaço interno que elas delimitam. Uma abertura nesse círculo opaco e o zumbido contínuo e grave que emana de lá dentro convidam ao ingresso na arena de paredes escuras e revelam que todas as caixas acústicas estão conectadas a amplificadores de sinais sonoros, embora não saia delas nenhuma música ou barulho qualquer já gravado. Os sons do mero caminhar e das falas ditas no interior desse ambiente são, contudo, logo devolvidos – menos ou mais modificados e através dos mesmos alto-falantes – a quem os gerou, revelando um sistema circular de captação, processamento e reverberação dos ruídos que são produzidos ali. Ao perceber a possibilidade de interação sônica com o trabalho, o visitante se reconhece como participante ativo da construção de um espaço que pode ser experimentado de inúmeras maneiras; do mesmo modo que a torcida de um estádio de futebol pode torná-lo, muitas vezes a despeito da qualidade do jogo, em sítio aborrecido ou em lugar de êxtase.
A preocupação em relacionar a arquitetura simbólica de um espaço ao domínio mais fluido do registro sonoro está ainda presente em diversos outros trabalhos, mesmo que difiram nos mecanismos por meio dos quais articulam essas esferas. Um dos mais eloqüentes a esse respeito é a instalação Jungle jam (2006), composta por dezenas de peças idênticas, dispostas em linha horizontal sobre as paredes de uma sala e separadas, umas das outras, por intervalos regulares e vagos. Cada peça é feita de um pequeno motor e de uma sacola plástica ordinária, presa ao pino situado na extremidade daquele. Quando ligados, os motores fazem girar esses pinos e, com eles, as sacolas, que batem sobre as paredes e produzem barulhos sincopados. Os movimentos e os conseqüentes ruídos que provocam não obedecem, todavia, a padrões repetitivos ou, inversamente, aleatórios. A voz de comando soberana do trabalho vem, em verdade, da caixa iluminada por pequenas lâmpadas posta em um canto da sala, para onde confluem os fios grossos que saem dos desengonçados compósitos de motores e sacolas. É essa caixa – alcunhada pelo Chelpa Ferro de cabeção – que controla, via programação extensa embutida em sua carcaça, quais motores funcionam a cada momento e quais permanecem parados. Em um instante, apenas aqueles que estão de um lado da sala giram em simultaneidade, restando todos os demais imóveis. Em outros, os motores são ligados em seqüência linear ou de maneira alternada, sendo logo desligados de forma a desfazer a progressão anunciada. Já um pouco mais tarde, podem funcionar todos em uníssono, tal qual um conjunto articulado. Como um maestro diante de uma orquestra em que um único tipo de instrumento é tocado, o cabeção faz calar ou soar parte deles em momentos diversos, criando, a partir de um mesmo elemento que se repete, ritmos, timbres e texturas sonoras variadas.
Octopus (2006) é, de modo igual, uma instalação constituída por diversos artefatos semelhantes dispostos linearmente ao longo das paredes de uma sala. No entanto, embora eles tenham todos a mesma funcionalidade – são oito caixas acústicas, cada uma delas ligada a um canal de áudio distinto emitido de uma mesma fonte sonora –, sua aparência e tamanho são, diferentemente do que ocorre em Jungle jam, variados. Os sons escutados nos dois trabalhos têm, além disso, naturezas distintas. Enquanto em Jungle jam são gerados por movimento mecânico produzido em tempo real, em Octopus dependem da emissão de sinais pré-gravados. São ruídos, trechos de músicas, efeitos sônicos e falas, editados em trilha sonora de quase treze minutos e distribuídos, de forma aparentemente errática, nos oito canais. Para tanto, a edição utiliza alternadamente cada um deles ou compõe grupos temporários de dois ou mais, sem ordenação que se possa discernir ao certo em uma única escuta. Ao mesmo tempo, então, em que os fragmentos da narrativa sonora apresentada solicitam, de quem está no ambiente, que a complete com a imaginação ou que, alternativamente, a abandone como inacabada, a variação constante do lugar de emissão dos barulhos muda a atenção auditiva para um ou para outro canto da sala. Por sua aleatoriedade aparente, essas mudanças, em Jungle jam como em Octopus, são sempre inesperadas e seguidas de genuína surpresa da parte de quem as testemunha. Não é só a audição, entretanto, que registra cada uma dessas marcadas e recorrentes alterações. Também o olhar, e com ele todo o corpo que o acompanha, identifica, de maneira quase instintiva, a origem e a qualidade diversas dos sons produzidos em cada instante. Interação entre sentidos que cria, à medida que o tempo flui, uma percepção nova dos próprios espaços onde esses trabalhos se instalam, os quais deixam de ser ambientes mudos e passam a reverberar, como se fossem seus, os ruídos gerados. Há aqui, portanto, uma quase indistinção entre a arquitetura dos lugares e os sons que os ocupam e moldam; entre o espaço habitado e a temporalidade que lhe concede um significado, ainda que este seja instável e sujeito, em conseqüência, a um repentino desmanche simbólico.
Paisagens sonoras (de fora e de dentro)
A regularidade temporal que marca várias das instalações do Chelpa Ferro contrasta com a intermitência do ruído que provém de Nadabrahma (2003), trabalho cujo título é apropriação de vocábulo pertencente à espiritualidade e à tradição musical hindus, e que exprime a aproximação entre o sonoro e o divino. É a marcante presença visual dessa instalação, todavia, o que primeiro chama a atenção dos sentidos, devido aos muitos galhos com vagens pendentes que são presos à parede em tortuosa linha, cada um deles articulado a um pequeno motor, de onde saem fios que os unem a pedais postos sobre o piso. O silêncio em que essa paisagem quase-natural está imersa é quebrado somente pela vontade autônoma dos visitantes, que, ao pressionarem os pedais ofertados a eles, acionam, por um determinado tempo, os referidos motores, cuja vibração sacode os galhos mantidos inertes até aquele instante. São essas sacudidas que fazem balançar as sementes aprisionadas no interior das vagens, as quais batem nas duras paredes internas de seus invólucros e ressoam na sala expositiva de modo ritmado e intenso. Tal como em Totó treme terra e Maracanã, é a ação voluntária do visitante que articula as dimensões visual e sônica do trabalho; e, assim como em Jungle jam e Octopus, são os barulhos criados dessa forma que re-significam o espaço em que a instalação se acomoda. O que é peculiar a Nadabrahma, contudo, é o fato de o som artificialmente por ela gerado ser similar ao que o vento pode provocar do lado de fora da sala ao balançar galhos de árvores. Quase como se houvesse contigüidade completa entre o espaço construído e o espaço natural, entre o movimento eólico espontâneo e o movimento mecânico forçado. Quase como se não houvesse mais distinção de origem entre todos os ruídos que informam a experiência de transitar no mundo.
O trabalho apresentado na 51ª Bienal de Veneza pelo Chelpa Ferro, Acqua falsa (2005), aproxima, igualmente, a experiência sensível de se estar no interior do ambiente expositivo e a que se tem ao caminhar no espaço aberto. Ao inundar uma sala retangular inteira e permitir aos visitantes apenas a travessia de uma pequena ponte que divide aquela ao meio, o grupo faz uma óbvia alusão à geografia da cidade italiana. A estrutura audiovisual que ali instala, porém, é o que identifica o trabalho, de fato, com a atmosfera sensorial peculiar à Veneza. Espalhadas sobre a parede de um dos lados extremos do recinto, minúsculas lâmpadas azuis se acendem e se apagam alternadamente em blocos, sob a regência aparente de algum equipamento que, fora do alcance da vista, abre e fecha circuitos elétricos a intervalos pré-ajustados. De cada uma das lâmpadas desce um fio delgado e escuro, que, unidos em conjuntos no interior de cabos mais grossos, mergulham na água e atravessam toda a extensão longitudinal da sala, passando por debaixo da ponte, emergindo em sua extremidade oposta e acoplando-se, por fim, a uma grande caixa acústica pendurada por cabos que quase encosta os seus alto-falantes na lâmina d’água. Os repetidos estalos amplificados pela caixa acústica e ouvidos no lugar são logo associados às mudanças rítmicas na configuração das lâmpadas visíveis no outro lado da sala (e vice-versa), sugerindo aos visitantes que também esses têm origem nas alterações elétricas programadas. A proximidade entre os alto-falantes e a superfície líquida em repouso alguns centímetros abaixo faz, por fim, com que os ruídos que deles saem se propagem no ar e se reflitam na água antes de ecoarem em tom baixo por todo o espaço expositivo, concedendo-lhes uma qualidade acústica contaminada por esse contato. Tal como nas ruas e canais de Veneza, imagem e som aqui se traduzem uma no outro através da água, elemento em que hierarquias quaisquer entre os domínios da visão e da escuta se desfazem.
Esse mimetismo entre o que é trabalho e aquilo que parece lhe ser externo encontra outro paralelo na intervenção feita pelo Chelpa Ferro na Fundação Eva Klabin, embora, ao contrário do que ocorre com Nadabrahma e com Acqua falsa, o foco aqui seja a paisagem interior de uma casa. A fundação, criada em 1990 e sediada no Rio de Janeiro, é uma casa-museu que guarda o acervo de arte clássica que a colecionadora que lhe dá nome reuniu durante muitos anos – notadamente entre as décadas de 1950 e 1970 –, além do mobiliário original da residência e de objetos antigos de uso pessoal de sua patrona. A partir de 2004, funciona na instituição, sob a curadoria do crítico Marcio Doctors, o Projeto Respiração, cujo objetivo é estimular artistas contemporâneos a intervir nos ambientes da casa e criar, com isso, atritos e aproximações com manifestações simbólicas do passado. A desordenação das coisas do mundo que o Chelpa Ferro promove – seja por meio da quebra de hierarquias sinestésicas ou da incorporação de barulhos ordinários ao âmbito da cultura – o fez ser convidado a realizar uma interferência nos espaços da fundação como parte daquele projeto, que resultou no trabalho Estabilidade provisória (2005). Como o título sugere, esse trabalho buscou introduzir a idéia de impermanência em um lugar onde tudo parece já estar assentado, valendo-se, entretanto, menos do contraste vívido entre estados distintos (movimento versus inércia) do que de sutis avivamentos sensoriais a serem experimentados pelos visitantes. Diante de ambientes tão serenos e arrumados, pertencentes a um tempo que não há mais, o grupo elaborou, então, armadilhas perceptivas (sonoras ou não) capazes de corromper a sua placidez e de os atualizar até um presente aberto ao que ainda não se conhece.
Em uma das muitas salas da casa, o Chelpa Ferro, entre mais coisas, fez a luz variar de intensidade regularmente, amplificou sons de objetos que se quebram e deixou à vista um copo com cerveja dentro, como se alguém ainda habitasse o recinto. Em outra, tomou partido das muitas referências à musica já existentes, sonorizando o ambiente com o ruído de agulhas arranhando discos e deixando ao acaso referências escritas sobre o campo sônico. Além disso, um vaso posto em posição arriscada sobre uma mesa ameaçava cair a qualquer instante, imagem que prenunciava barulho e desarranjo. Misturou, ademais, aos objetos que pertencem ao lugar, outros que novamente remetiam à possível presença contemporânea de um residente, como cigarros, bebidas e remédios. Em uma terceira sala, a interferência mais notável era promovida por pequenos motores que, escondidos sob a mesa principal, faziam o seu tampo vibrar e, com ele, os pratos, talheres e copos arrumados para almoço ou ceia, os quais se entrechocavam e reclamavam existência sonora. Já no jardim, onde os ruídos da cidade já são o bastante para desestabilizar a fixidez da casa, escutavam-se, assim mesmo, os barulhos gravados de carros freando, de alarmes que tocavam por nada, do latido de cachorros que não estavam ali de fato. Por meio dessas intervenções pontuais, os muitos objetos inanimados da antiga residência passavam a sugerir, aos olhos dos visitantes, a emissão dos sons que se haviam apartado, por desuso, de sua existência como matéria e forma.
Brum! Crash! Clang! Smash! Pow! Tum!
O interesse por ouvir tudo o que está no entorno da vida comum, abstendo-se de seguir as convenções que apartam a música de outros ruídos quaisquer, levou o Chelpa Ferro a fazer, de um carro – um Maverick 1974, embora pudesse ser outro, mais novo ou velho –, instrumento de investigação sonora. Essa escolha não se deu por causa do barulho do motor, da buzina gritante, ou dos tics e tacs que aberturas e fechamentos de portas e travas produzem. Mas porque todo carro possui, pela variedade de materiais de que é composto (metal, vidro, tecido, borracha, plástico), qualidades acústicas privilegiadas e uma multiplicidade potencial de timbres, que só são ativadas e ouvidas em conjunto, contudo, quando os veículos colidem contra obstáculos rijos. Como maneira de emular o resultado sônico de tais circunstâncias sem infligir ferimentos a seus eventuais ocupantes, o grupo e alguns convidados utilizaram o Maverick para obter, por meio de golpes e pancadas, os muitos sons que um veículo esconde sob a mudez que a imobilidade lhe impõe. Para tanto, muniram-se de instrumentos diversos: desde os encontráveis já prontos, como martelos, chaves de roda e barras de ferro, até os preparados para o evento, como baquetas de madeira ou de bronze que traziam, em suas extremidades, as cabeças esculpidas de Beethoven, Bach ou Mozart, como se para dirimir dúvidas se era ou não à esfera da música que aquela ação aspirava pertencer. Intitulada de Autobang (2002), essa performance foi apresentada na abertura da 25ª Bienal de São Paulo.
Após um início cauteloso de criação de ruídos e de maculação simultânea do carro, os tocadores de Maverick tornaram-se progressivamente mais absortos na tarefa de extrair do veículo, ao custo de um número crescente de amassados, arranhões, furos e vidros quebrados, aquilo que desejavam escutar. Os diferentes barulhos gerados por essa orquestra percussiva eram capturados por microfones, manipulados por um computador e devolvidos, amplificados, aos ouvidos do público. Ao final do evento programado, vários membros da audiência que haviam servido apenas como testemunhas dessa inusitada batucada começaram, entretanto, a querer também participar dela ativamente e dar-lhe continuidade, valendo-se dos instrumentos ainda espalhados no piso ou mesmo do próprio corpo, por meio de chutes e saltos em cima do carro. De ação controlada, a performance deslocou-se para a borda do que não pode ser previsto e, portanto, do que, em ambiente denso de gente, é propício ao desastre. A polifonia anárquica que resultou desse descontrole traduziu em sons, porém, com um grau de desordem que o Chelpa Ferro não poderia ter antecipado, sentimentos que as pessoas que participaram da ação – estando ou não autorizadas – carregam a toda parte, nos quais se misturam desejo e raiva, medo e paixão, luxúria e falta. Autobang amplificou, desse modo, os ruídos estranhos que todo mundo guarda.
Sentidos embaralhados
O Chelpa Ferro não propõe uma unificação dos sentidos com que se apreende o mundo, limitando-se a indicar a possibilidade de traduzi-los uns nos demais, sem hierarquias definidas e de forma inescapavelmente truncada. Em vez de advogar o apagamento das diferenças entre as faculdades do olhar e da escuta, o que o grupo faz é oferecer, a quem se aproxime de seus trabalhos, um embaralhamento sensorial. O que produzem pertence, por isso, menos ao domínio dissolvente da tecnologia digital e mais ao âmbito de dessemelhanças marcadas do analógico. Exemplar desse propósito é a instalação On off poltergeist (2007), em que imagens televisadas quaisquer são captadas no momento mesmo em que são vistas juntas no espaço expositivo, sendo exibidas em uma série de monitores antigos colocados sobre caixotes uns próximos aos demais, índice possível da obsolescência a que estão reservados em breve. Som algum, contudo, é ouvido através das saídas de áudio dos televisores, posto que os seus alto-falantes, retirados dos gabinetes, estão reunidos, com o auxílio de cabos extensos, em outro canto da sala. É dali que emitem ruídos para o ambiente inteiro sem o amparo das cenas precisas com que são lançados em ondas ao ar, confrontando a idéia recebida de que som e imagem são uma só coisa. Dispositivos acoplados às televisões, além disso, ligam e desligam periodicamente os sinais sonoros que capturam, como se também a confirmar que as cenas mostradas prescindem de ruídos específicos a cada uma delas para significar algo. É um trabalho, assim, que desmonta materialmente a articulação unívoca e convencional entre algo que se olha e algo que se ouve, sugerindo que os sentidos podem ter uso novo. Movimento aparentemente contrário é operado em 100 metros rasos (2006), em que diversas imagens em vídeo são vistas juntas em combinações que gradualmente mudam, sempre acompanhadas aqui, entretanto, dos sons que lhes correspondem: uma mulher lavando o cabelo, uma betoneira produzindo cimento, alguém disparando um revólver, um canário cantando na gaiola ou mesmo os barulhos que objetos inventados pelo Chelpa Ferro fazem. Todavia, a despeito da identificação possível e em pares das imagens e dos sons exibidos, vê-las e escutá-los em conjuntos cambiantes termina por suscitar cruzamentos involuntários entre o que os sentidos percebem, ensinando que os fenômenos do mundo se entrelaçam de muitas e diferentes maneiras. Qualquer ordenação rígida entre algo que se olha e algo que se ouve é arbitrária e da ordem, portanto, das convenções transitórias em que a vida se ancora.
O emaranhado dos sentidos que permeia a produção do grupo tem a sua expressão mais acabada, porém, nas apresentações que faz em palcos desde quase o início de sua trajetória, indicadoras da influência que o ambiente do rock e da música pop exerce sobre os seus membros. Embora o componente sonoro de tais espetáculos lhes seja obviamente central, há neles, como na maior parte de tudo o que o Chelpa Ferro produz, uma dimensão visual não menos relevante e que é manifesta de distintas formas, a começar pelas muitas imagens projetadas em telas durante as apresentações. Nessas projeções, seqüências apropriadas de filmes e de vídeos somam-se a outras, produzidas e editadas, com antecedência, pelo próprio grupo, as quais pontuam, exacerbam ou contradizem o que é escutado ao vivo. Mas há, além disso, a projeção de imagens criadas e processadas em tempo real no palco, que registram, para o interesse aguçado do olhar, detalhes da atitude idiossincrática dos integrantes do Chelpa Ferro em processo de invenção de barulhos. Atitude que lhes permite tocar, nesses eventos, instrumentos tradicionais como bateria, guitarra ou trompete, apesar de não possuírem formação musical, ou talvez justamente por essa suposta falta. O que está em jogo na relação com tais artefatos, em todo caso, é menos a habilidade de reproduzir técnicas convencionadas como corretas para tocá-los, e mais a exploração da amplitude sônica que eles guardam. Investigação que envolve fragmentação, repetição, alongamento e outros procedimentos de recriação eletrônica do registro original de seus sons. A vontade de trazer, para essas apresentações, os ruídos que não cabem nos limites usuais da esfera da música induz, ademais, a criação de instrumentos tão inusitados quanto espirituosos, que também cativam o sentido da visão: como o cinzeiro tubular que se transforma em corpo de uma espécie de violoncelo; ou a máquina de costura e o molinete de pesca que fazem girar o fio que batuca o tambor posto entre os dois objetos. Leva, por fim, à incorporação, como geradores legítimos de elementos sonoros, de coisas que, embora façam barulho, são sempre catalogadas como pertencentes ao mundo silencioso da forma. Entre esses, pode estar uma mesa de totó usada no palco para jogar, um espremedor de laranjas fazendo suco da fruta ou mesmo um carrinho de pipocas aquecendo o milho na hora. Amplificados, as batidas, o zunido e o espocar que tais objetos produzem se juntam aos sons dos instrumentos tocados (sejam os usuais ou os inventados) e de um longo inventário de outros pré-gravados, sendo oferecidos ao público como algo que se recusa a se enquadrar em rótulos. Algo que pode ser ouvido e visto com interesse idêntico e que pode mesmo, em alguns casos, ser bebido ou comido, como o suco e a pipoca, distribuídos a quem estiver próximo do palco. Ou, ainda, absorvido pelo olfato, como o cheiro que emana das dezenas de varetas de incenso apostas nos vários elementos de uma bateria mantida muda e que são depois queimadas.
Outro indício da sensação de proximidade ambígua que o Chelpa Ferro nutre em relação ao domínio da música são os dois discos que já lançou: Chelpa Ferro (1996) e Chelpa Ferro II (2004). De modo semelhante ao que acontece nas apresentações ao vivo, as muitas faixas de cada disco oferecem a conjunção de ruídos que não costumam ser escutados juntos, constituindo experiências infreqüentes, se não novas, para o ouvinte. São composições que resultam da capacidade dos integrantes do grupo de abrirem-se ao campo sonoro contínuo do mundo, absorvendo e transformando aquilo que lhes captura a atenção e que, muitas vezes, não cabe no âmbito convencional da música. São misturas de registros sônicos acústicos e eletrônicos, orgânicos e elétricos, apropriados já prontos ou frutos de invento, em alusão constante a um espaço de vida multidimensional, incapaz de ser conhecido por um entendimento fragmentado do que acontece no cotidiano. A variação de timbres, ritmos e atmosferas em cada faixa dos discos – oscilação permanente entre estruturas sonoras reconhecíveis pela cultura hegemônica como música ou ruído – dá a medida da ambição programática do Chelpa Ferro: promover um ambiente sensorial ambivalente capaz de escapar aos códigos assentados que definem o que são sons significantes e, em conseqüência, o que seria o objeto auditivo legítimo. É esse questionamento das fronteiras do domínio sonoro restrito que faz, dos discos do grupo, plataformas de transbordamento para outros sentidos, ativando a memória imagética e invocando, assim, a faculdade do olhar. O fato de, ao contrário das apresentações em palco, não haver nos discos nada para ser visto não torna sua audição, portanto, uma experiência limitada à esfera da escuta. Eles são, como o próprio Chelpa Ferro gosta de lembrar, “cinema para cegos”. E resumo eloqüente da busca constante do grupo de ouvir o barulho que o mundo faz.
Moacir dos Anjos
KAHN, Douglas. Noise, water, meat. A history of sound in the arts. Londres: The MIT Press, 1999.
RUSSOLO, Luigi. The art of noise (futurist manifesto, 1913). Nova Iorque: Something Else Press, 1967.
LABELLE, Brandon. Background noise. Perspectives on sound art. Londres: Continuum, 2006.
COX, Christoph. “Return to form”. Artforum, nov. 2003.
Para um panorama da relação entre a música e as artes visuais na cultura brasileira contemporânea, ver NAVAS, Adolfo Montejo. “Plástica sonora (Brasilis)”. Lápiz, n. 201, 2004.
De seu início até 2003, o Chelpa Ferro teve como quarto membro do grupo o produtor musical Chico Neves, que também contribuía, a partir de sua especialização profissional, para a reunião contingente de elementos simbólicos díspares.
Em um primeiro contato com Moby Dick, a instalação parece evocar, em um âmbito de circulação simbólica distinto, a composição 4’33” (1952), de John Cage. Nesta, o músico que interpreta a peça permanece silencioso e imóvel junto a seu instrumento durante o tempo que dá título ao trabalho, fazendo, dos ruídos existentes nos momentos e lugares em que se apresenta, o conteúdo móvel da composição. No trabalho do Chelpa Ferro, porém, aquilo que sonoriza o trabalho não é o que ocorre no entorno, mas o que vem à memória. E para os mais próximos do trabalho do grupo, a lembrança mais imediata entre todas é a da performance Pilhas (2005), na qual, quase como um Moby Dick às avessas, uma dúzia de baterias são tocadas simultaneamente por trinta minutos.
COX, Christoph. “Lost in translation”. Artforum, out. 2005.
A circularidade entre captação e emissão de sons é patente em mais outros trabalhos do Chelpa Ferro. Em Paraíba (1997), o canto de periquitos presos em uma gaiola é capturado por microfones instalados próximos, transformados eletronicamente e devolvidos, amplificados, ao mesmo ambiente, ao que se seguem novos ciclos. Tanto nesse trabalho como em Maracanã, contudo, os circuitos criados não são fechados, abrindo-se continuamente a novos ruídos, que, emitidos por pessoas ou pássaros, somam-se àqueles que já circulam nos trabalhos.
Essa característica faz esses e outros trabalhos do Chelpa Ferro dialogarem com a obra de Max Neuhaus, para quem os sons permitem amalgamar tempo e espaço de modo a não poder-se mais distinguir entre uma dimensão e outra. Para uma apresentação sucinta da obra do artista norte-americano, ver LABELLE, Brandon. Op. cit.
VISCONTI, Jacopo Crivelli. “A impossibilidade do som”. In: Hug, Alfons; Magalhães, Ana (Ed.). Pavilhão do Brasil – 51ª Bienal deVeneza. Caio Reiswitz – Chelpa Ferro. São Paulo: Fundação Bienal de São Paulo, 2005.
COX, Christoph. “Lost in translation”. Op. cit.
É nas apresentações de palco que mais se evidenciam as influências cruzadas presentes no trabalho do Chelpa Ferro, incluindo, além das várias já mencionadas, a iconoclastia musical e performática do brasileiro Hermeto Pascoal, o experimentalismo ruidoso do álbum Metal Machine Music (Lou Reed) e o humor presente nos objetos sonoros criados, a partir da década de 1960, pelo suíço-brasileiro Walter Smetak.
O grupo Chelpa Ferro tem se destacado nos últimos anos por instalações sonoras extraordinárias, nas quais, a par de instrumentos musicais convencionais, são empregados materiais os mais originais: cinzeiros cantantes, máquinas de amolar facas, máquinas de costuras, aparelhos domésticos de todo tipo, até mesmo alto-falantes dentro de um aquário.
Chelpa Ferro, que significa “dinheiro” na antiga linguagem coloquial portuguesa, ama a aura de objetos achados comuns, especialmente quando sons podem ser arrancados deles. Uma broca enferrujada no consultório de um dentista soa como uma amostra de techno eletrônico; de galhos que são sacudidos por motores em miniatura sai o sussurro misterioso da floresta. Ou é talvez um concerto de música experimental? Um grande arco metafórico se retesa, indo de um simples pedaço de lata ou madeira até a obra de arte, poeticamente carregada. Ninguém, exceto Chelpa Ferro, sabe como soou a flauta de osso de cisne, que foi descoberta há pouco tempo por arqueólogos no sul da Alemanha e é, com seus 35 mil anos, o instrumento musical mais antigo do mundo.
Como curadores de um museu organográfico, que não por acaso está situado nos trópicos, Chelpa Ferro revolve nas minas da história e da atualidade da arte e da música. Ora o grupo leva a público um gramofone ou uma flauta de argila, com que os índios do Amazonas imitam o canto de um pássaro durante a caça, ora produz ruídos de uma turbina de avião, de uma sirene de alarme ou o som de uma ravetechno. Cores sonoras escuras e campestres e os barulhos frenéticos da grande cidade se revezam abruptamente. Entende-se por si mesmo que ritmos de percussão, derivados da música popular brasileira, surjam repetidas vezes.A imoderação da natureza tropical e a força de imaginação da arte estão unidas de modo feliz em Chelpa Ferro. Amiúde se trata de situações soando absurdas, que começam deixando perplexo o visitante para depois, dada sua fina ironia, devolvê-lo ao dia-a-dia com um leve sorriso nos lábios.
Além disso, os sons estão em um diálogo constante com o emaranhado de cabos elétricos, que acrescenta às instalações sonoras de Chelpa Ferro a dimensão de um desenho complexo. São laços negros e suaves que se refestelam lascivos pelo chão ou novelos confusos e grosseiros, tão pouco desenredáveis como as disposições sonoras. Desenho e composição são igualmente fragmentários e nervosos. O que de início parece provisório e frágil possui uma força e uma robustez intrínseca. Aos acessos de fúria se seguem momentos de alegre elegância. Ora o elemento de desenho e escultura tem supremacia, ora o elemento sonoro. E, eventualmente, os arranjos levam àquele ponto misterioso em que os sons se extinguem, transitando imperceptivelmente para o campo das imagens.
Alfons Hug
A velha foto em branco e preto é um bocado confusa. No meio da fumaça, distinguem-se rodas de bicicleta, um balão de plástico, peças de ferro que mantêm precariamente íntegra a máquina suicida. Em outra foto, entre uma nuvem e outra, percebem-se os espectadores em pé, atentos, mas um tanto atônitos, embrulhados nos frios capotes invernais às suas costas, no alto, janelas acesas, mas ninguém debruçado a olhar. Os relatos falam de 27 minutos de fragor, do piano enlouquecido a tocar sua própria marcha fúnebre, enquanto a máquina toda desmorona ruidosamente, uma peça por vez. Encenado no jardim do Museum of Modern Art, o célebre Homage to New York de Jean Tinguely (1960) foi, ao mesmo tempo, um concerto, uma performance e uma obra de arte, cujos espectadores afornutados, depois da dissipação da fumaça, tinham o direito de aproximar-se e levar consigo uma peça.
Assim como em grande parte das obras de Tinguely, em Homage o elemento escultórico e o sonoro se fundem num todo no qual ambos têm a mesma importância. A conseqüência imediata dessa equivalência audiovisual é que o elemento sonoro deve ser avaliado com base em novos parâmetros, totalmente independentes dos convencionais: o som do piano vale, aí, exatamente tanto quanto o da velha roda de bicicleta enferrujada que se solta e cai de quatro metros de altura. Essa democratização do som é um dos pontos fundamentais da obra de Tinguely e é, ao mesmo tempo, um ato revolucionário: as suas esculturas sonoras atestam um novo regime do ruído na arte contemporânea, assim como o uso de objetos comuns por Duchamp sancionava sua pertinência no contexto artístico.
Descendentes diretas das esculturas (ou dos instrumentos) de Tinguely, as ‘máquinas sonoras’ de Chelpa Ferro as lembram imediatamente em diversos aspectos, em particular na simplicidade dos materiais usados, objetos banais, anônimos, exclusivamente funcionais: são simplesmente, sem nenhum atributo ou particularidade, uma cadeira, um motor, um saco de plástico… Num texto escrito há alguns anos, Werner Spies traçava um paralelo fascinante entre os readymade duchampianos e o procedimento de apropriação e “enobrecimento” de objetos banais por parte de Dom Quixote, como no famoso episódio do Elmo de Mambrino, em que o engenhoso fidalgo toma uma bacia de barbeiro pelo mítico elmo, sem perceber nenhuma fratura entre a realidade e o universo mítico de sua imaginação. Chelpa Ferro age de maneira análoga: apropria-se de objetos insignificantes e transfigura-os, dando-lhes um novo significado; privando-os de sua função originária (sua única razão de existir, como vimos, uma vez que são sempre objetos eminentemente funcionais), transforma-os em instrumentos de uma orquestra imaginária. Desprovidos de qualquer personalidade estética, esses objetos confluem com extraordinária naturalidade para o novo contexto, conferindo notável coerência estilística ao corpus de Chelpa Ferro, que também compreende esculturas, instalações, performances e até CDs. O fato de os objetos utilizados serem desprovidos de qualquer sinal particular, ademais, permite que sejam considerados como arquétipos: o ruído de um saco de plástico a girar pela ação de um motor (Jungle, 2001), por exemplo, transforma-se no ruído de “todo” saco. Desse modo, as obras de Chelpa Ferro reeducam o observador/ouvinte, revelando uma melodia oculta nos objetos de uso quotidiano, uma espécie de música do mundo.
Nos CDs, em especial, do uso de sons de objetos e situações quotidianas (vozes e ruídos da rua, por exemplo) nascem acordes e ritmos surpreendentes: exatamente como ocorre com os objetos utilizados nas instalações, os sons gravados também são apenas retalhos, elementos retirados do contexto original e quase re-criados. A técnica do sampling, versão pós-moderna do pastiche, tão prezado por poetas como Pound e Eliot, é o modus operandi, tanto prático como conceitual, de Chelpa Ferro. A opção por criar obras de puro som demonstra, ademais, que o som é considerado autêntica matéria-prima artística (quase como as cores para o pintor), e não simples atributo da obra: abordagem semelhante à de outros artistas contemporâneos, como por exemplo Max Neuhaus. Uma de suas obras mais famosas, Times Square, é uma instalação puramente sonora situada na faixa triangular de pedestres formada pelo cruzamento entre a Broadway e a Sétima Avenida, na altura da rua 46, em Nova York. Totalmente incongruente com o contexto (consiste num som contínuo, semelhante ao eco de sinos a perder-se ao longe, som que emerge da calçada através de uma grade), Times Square é desprovida de qualquer identificação, concebida justamente para perder-se no caos da região, cheio de estímulos infinitos, tanto visuais quanto sonoros. Segundo o artista, “for those who find and accept the sound’s impossibility, the island becomes a different place”; Chelpa Ferro cria sons também impossíveis, cuja impossibilidade, porém, se situa no paradoxo de reconhecê-los como tais, e não como simples ruídos de fundo.
A menção à obra de Neuhaus possibilita outra consideração, também válida para muitas obras de Chelpa Ferro: iniciado o processo, o artista não mais intervém, não mais ambiciona controlar o desenvolvimento da obra e limita-se, no máximo, a assistir. O som que emerge do chão de Manhattan mistura-se, conforme o horário e infinitas outras variáveis imprevisíveis, com ruídos sempre diferentes, formando “acordes” sempre únicos, totalmente fora do controle do artista. Maracanã (2003) de Chelpa Ferro, ambiente circular formado por uma série de enormes alto-falantes em que os espectadores podem entrar e, falando, ouvir sua própria voz repetida e distorcida, obedece ao mesmo princípio. Depois de concebida e posta em funcionamento, a obra passa a ter vida própria, interagindo de maneira autônoma com os sons do espectador e do mundo. Mais do que às tentativas (reiteradas durante todo o século 20) de interagir com as máquinas ou de delegar-lhes inteiramente a criação de obras de arte visual, musical ou literária, a estratégia de Chelpa Ferro pode-se comparar à de artistas contemporâneos como Christian Marclay, que, em 1985, lançou um CD (tautologicamente intitulado Record without a Cover) que era vendido sem capa, e onde os inevitáveis riscos surgidos durante o transporte até as lojas eram considerados parte integrante da obra. O CD tornava-se assim (como nas obras de Chelpa Ferro) uma espécie de receptor, um instrumento capaz de canalizar e reproduzir a energia do mundo. Se nos últimos anos difundiu-se, em várias disciplinas, primordialmente no design, a tendência a criar obras que se completam ou ganham vida apenas através do contato com o ambiente que as circunda, no que se refere às artes visuais pode-se quase falar — pelo menos no Brasil — de um autêntico movimento, conquanto embrionário, caracterizado não só pela necessidade de participação de agentes externos para que a obra se complete, mas também pela rudimentariedade dos materiais usados e pelo caráter artesanal, mas extremamente cuidado, da fatura.
Apesar da simplicidade quase pobre das assemblages, todas as obras de Chelpa Ferro possuem enorme força plástica, em que se reconhece o peso das experiências pessoais dos vários componentes do grupo: Luiz Zerbini, pintor; Barrão, escultor; e Sergio Mekler, editor de imagens. Principalmente as esculturas irônicas e poéticas de Barrão — como os eletrodomésticos modificados, do início dos anos 1990 — constituem uma referência clara, um precedente importante na criação de um estilo próprio de Chelpa Ferro. O fim sonoro, porém, confere às obras do grupo um caráter inconfundível, que mitiga também o seu caráter quase surrealista, o fato de serem “belas como o encontro fortuito, sobre uma mesa de dissecação, de uma máquina de costura com um guarda-chuva” ou — o que é quase o mesmo — como o encontro, sobre um amplificador, de um oscilador de freqüência com uma cuba cheia de café (Ciclotron, 2001). A evidência da função torna perfeitamente plausíveis essas justaposições improváveis: obedecem, por assim dizer, a uma lógica férrea do som. O próprio nome do grupo é uma assemblage estridente, à primeira vista, uma espécie de oxímoro que aproxima chelpa (termo coloquial português para dinheiro) a um metal comum e vermelho, como o ferro; na verdade, porém, é um nome perfeitamente coerente, porque é exatamente da união de elementos simples, desprovidos de qualquer valor e aparentemente incongruentes que Chelpa Ferro extrai sons e instalações de extraordinária elegância, extremamente fascinantes, transformando-os, como fazia o rei Midas, em ouro.
Resultado aparentemente paradoxal da sua grande força plástica é o fato de que, embora concebidas em grande parte como excêntricos instrumentos musicais, quase todas as obras de Chelpa Ferro poderiam funcionar como simples esculturas, sem nenhum contraponto sonoro. É o que ocorre, por exemplo, com a grande instalação Nadabrahma, já exposta no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (2003) e na última Bienal de São Paulo (2004): acionados pelo público, pequenos motores presos a grandes ramos secos de árvore de pau-negro fazem os ramos tremer, enchendo o ambiente com o ruído seco das vagens, como se no grande cubo branco batesse um vento repentino. É evidente que a força da instalação deriva em grande parte do som dos ramos sacudidos, mas o impacto plástico continuaria grande mesmo se a observássemos através de um vidro que impedisse a passagem do som ou — mais simplesmente — quando observamos sua reprodução num catálogo. A instalação Moby Dick (2003), constituída por uma enorme bateria, cheia de pratos, tímpanos, bumbos, tarolas etc., funciona de maneira oposta: embora tudo nela leve imediatamente a pensar em som, a ponto de quase torná-lo audível, ela é exposta de maneira absolutamente convencional do ponto de vista museológico: é proibido aproximar-se para tocá-la. O silêncio faz parte dessa obra exatamente como o som é parte integrante de outras: paradoxalmente, os objetos mais ligados à produção do som são aqueles que menos precisam dele, e o abolem.
As obras de Chelpa Ferro, em suma, funcionam de maneira paralela e simultânea em dois trilhos distintos: o visual e o sonoro. Em alguns casos os dois trilhos podem sobrepor-se, mas obtém-se um efeito também interessante quando um dos dois faz referência explícita ao outro, em sua ausência: objetos silenciosos fazem-se portadores de som, e o som se torna criador de imagens.
She was false as water
Shakespeare, Othello
Andando pelas estreitas ruas de Veneza, por ocasião da sua visita preparatória ao pavilhão, em vista da instalação para a LI Biennale, a cada pouco Luiz Zerbini parava para ouvir os sons do ambiente ao redor: o arrulho dos pombos, a batida do remo do gondoleiro ao entrar na água, o vento a mover as folhas das árvores nos jardinzinhos semi-escondidos à beira dos canais; mas também os disparos incessantes das máquinas fotográficas dos japoneses, o ruído surdo das rodas das malas no calçamento, o eco de apressados saltos de botas sobre as passarelas montadas para prevenir uma acqua alta que nunca viria. A cada pouco, quando o som era particularmente interessante, puxava a sua câmara de vídeo e o filmava, como se para confirmar, definitivamente, a equivalência entre som e imagem no universo sinestésico de Chelpa Ferro.
A instalação no salão do pavilhão brasileiro dos Giardini é de uma simplicidade absoluta e, no entanto, pode ser considerada quase uma síntese da obra do grupo até hoje, pela maneira como condensa todos os temas mais recorrentes e estimulantes na sua produção. Numa clara alusão ao contexto veneziano, contudo estética e conceitualmente coerente com a história do grupo, a sala é alagada, transformada em enorme espelho d’água. Provenientes da sala menor, os visitantes chegam por uma simples plataforma de madeira, que ocupa, tal qual uma ilha, a parte central da sala, de onde podem observar e ouvir aquilo que os circunda. Na parede de fundo, do lado esquerdo da sala, uma constelação de luzinhas de LED, cujas cores estão em constante mutação, acende-se e apaga-se, cada uma em seu ritmo próprio. Das luzes pendem fios elétricos, que descem até a água e atravessam toda a sala, bem visíveis no fundo da lagoa improvisada, passando por baixo dos pés dos visitantes até alcançarem, ao emergirem na outra extremidade do espaço, um enorme alto-falante preto. Suspenso a poucos centímetros da água por vários cabos fixados às paredes e voltado para ela, como numa conversa íntima, o alto-falante emite uma série ininterrupta de sons secos, amplificação direta do disparo dos interruptores automáticos que, do outro lado da sala, acendem e apagam ritmicamente as luzes. O deslocamento de ar provocado pelo som faz a água vibrar, e o ruído se propaga pela sua superfície em direção ao espectador, parado no centro desse assombroso círculo sensorial.
Ao dispararem, os interruptores (invisíveis) criam, ao mesmo tempo, som e imagem; o espectador vê a luz acender-se enquanto ouve o som que a provoca (ou que dela deriva); pode imaginar, sem muito esforço, o caminho do som, na forma de impulso, ao longo dos fios estendidos na água, e vê-lo quando ele cai fisicamente do alto-falante, como uma pedra, na água. E a água, alegoria eterna da metamorfose (ou do engano, para o Mouro de Veneza), presta-se a esse banquete sinestésico, refletindo e confundindo luzes e sons.
Jacopo Crivelli Visconti
Não isolado, como todos os gestos revolucionários: as máquinas de Tinguely pertencem a um momento histórico de grandes experimentações, como demonstram as experiências quase contemporâneas de Harry Bertoia, La Monte Young, Nam June Paik e outros.
2 Werner Spies, “Der Betrachter macht das Bild. Die Wirklichkeit der Dinge und die Phantome der Kunst: Cervantes und alle die anderen von Duchamp bis Beckett”, in Frankfurter Allgemeine, 19.09.1998.
3 Concebida como instalação permanente, Times Square funcionou ininterruptamente de 1977 a 1992, quando foi desativada por falta de verbas de manutenção. Recentemente (2002) voltou a funcionar com o apoio do DIA Center for the Arts.
4 Extraído da nota que acompanhava o projeto autógrafo do artista, grifo meu.
5 Dos desenhos automáticos dos surrealistas, em que a mão absorvia as vibrações de trens ou aviões, aos Méta-mécaniques (1955), máquinas que criavam autonomamente obras artístico-musicais, do próprio Tinguely, até o recente Poesieautomaten (2000), autômato capaz de produzir poesia, de Hans Magnus Enzesberger.
6 Significativamente, vêm sendo feitas pesquisas semelhantes ao mesmo tempo em várias partes do país, por exemplo no Rio de Janeiro (além de Chelpa Ferro, também Eduardo Costa), em Brasília (Milton Marques) e em São Paulo (Paulo Nenflídio).
7 Cito Breton, que, por sua vez, cita Lautréamont…
8 Como se para confirmar interesses análogos, numa entrevista recente, Christian Marclay afirmava: “j’ai l’habitude de prendre beaucoup de photographie d’expériences sonores très quotidiennes, comme pour les souligner”.
9 Para uma exposição no MAM-RJ, em 1997, por exemplo, Barrão idealizara um mecanismo que aspirava água do mar, pouco distante, punha a água a circular pelo museu e depois a devolvia ao mar, caindo por uma janela.
Graças a sua própria definição, as artes visuais, mesmo em plena contemporaneidade, confiaram muito na arrogância do olho e se dedicaram exclusivamente a pensar a presença das imagens no corpo e nos poros da vida urbana, deixando de lado o som, a massa de ruídos naturais e gerados por meios eletromecânicos que nas últimas décadas tomou conta do cotidiano até por impregná-lo por completo. Mas então veio o rock e com eles os adolescentes, como o quarteto do Chelpa Ferro, que faziam vigília a espera dos discos do Cream, Zappa, Who e Hendrix, curtiam as capas “popistas” de Crumb, Warhol e Hamilton, e o psicodelismo do Dean e da Hipgnosis, e eventualmente estouravam as caixas e amplificadores nos porões e garagens com os sons distorcidos de seus instrumentos. A parte isso, a porta da indústria cultural, ao contrário da alienação, também dava para a música eletrônica de Stockhausen e Henry, além do lance de dados de Cage e seu precursor, Varése.
Chelpa Ferro ataca a plasticidade do som em toda sua escala: batendo nas coisas, revelando a peculiaridade de seus timbres, constatando que tudo – das coisas da natureza aos objetos industriais – vibra em resposta a vibração do nosso próprio corpo. E vai ainda além disso, fabricando instalações e objetos sonoros, agindo como geradores de áudio, tratando de demonstrar que as coisas se relacionam entre si através de entrechoques contínuos, ressoando através de soluções que beiram a insolitude e o encantamento.
Este é o caso de “Hum”, instalação apresentada nessa Bienal: a pisada do espectador é quem aciona o pequeno motor que chacoalha os galhos e os frutos/vagens secos de uma árvore fixada na parede, despertando os grãos e fazendo-os soar como pingos de uma chuva lacônica que percorre o ar reverberando sobre as coisas, chocando-se sobre seu corpo até morrer nas covas dos seus ouvidos.
Prof. Dr. Agnaldo Farias
FAUUSP
Texto escrito para o catalogo da 26ª Bienal de São Paulo – 2004
O Chelpa Ferro oferece, aos nossos olhos e ouvidos, um amplo banquete sinestésico. Este banquete, caracterizado por obsessões tecnológicas e variações ritualísticas, pode ser saboreado de formas múltiplas e contrastantes.
Os devaneios técnicos levam o contemplador a um passeio por ruídos eletrônicos suspensos em sacos que desencadeiam zumbidos nervosos e intermitentes. Vendo e ouvindo esses aparelhos sentimos uma leve nostalgia dos ruídos do cotidiano.
Atravessando a intermitência das peças chegamos a uma misteriosa árvore eletrificada. Parece que Brahma permitiu que a sua voz ecoasse – sibilante – em 22 galhos com vagens de sementes; o que se escuta é um sussurro ritual, uma lembrança sonora de chuvas imemoriais. E os fios que amplificam essa poesia sussurrante aludem aos paus de chuva dos pajés da Amazônia. Galhos que ciciam, sussurram, rumorejam: a tecnologia induz ao transe das paisagens, ao rumor aliciante da voz divina.
Seduzido por essa mescla incomum, o humano tateia na direção de uma torre escura, de uma ilha cercada de som por todos os lados. Instalado no centro dessa arena ruidosa, percebe que está em uma câmara de zunidos, em um quarto de prazeres sonoros. Cercado por caixas de som, negras, densas, hipnóticas, ele experimenta a delícia incompatível da captação e da transmissão. Caverna curiosa que convida ao deleite amplificado, a torre escura zumbe, zune e com ela o humano que – como sempre – hesita.
“Hum! Parece que essas máquinas querem me dizer algo! ”, fala o passante intrigado diante do banquete oferecido. Entregue a uma volúpia contraditória – a do rito e a da técnica – ele bebe fascinado alguns goles de sinestesia.
Tateando através da multidão de hums, hums de prazer ou de surpresa, acaba encontrando cabos de som e de luz suspensos na parede. Compreende que se trata de uma homenagem, de uma despojada reverência à magia tecnológica. Cheio de curiosidade lúdica, avista depois um objeto conhecido: uma enorme bateria que não pode ser tocada, mas apenas contemplada. Divagante, sonha com Led Zeppelin, Black Sabbath, Metallica, Sepultura e desliza por uma espécie de rememoração heavy metal.
No final desse périplo misturado, contagiado por tanto ludismo barulhento, ele recebe as instruções: bem-vindos ao show sinestésico da vida, onde hums se multiplicam. Hums de humanos tontos de tatear tantas vezes e só encontrar as suas próprias invenções.
José Thomaz Brum
Texto escrito para a exposição “HUM “ no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro – outubro de 2003
José Thomaz Brum é doutor em Filosofia pela Universidade de Nice e professor de Estética no Curso de Especialização em História da Arte da PUC – RJ.
An innovative experiment, the Respiration Project contrasts the enshrined art of the past with the contemporary art of today, within the same setting. This is intended to replicate the strategy of collector Eva Klabin, whose home houses works from many different periods in the history of art, gathered from many different latitudes. The apparent homogeneity conferred on the ambience of the mansion-museum that was also the home of Eva Klabin by its décor and acknowledgment of the history of art is shattered by the sharp contrast between the art of today and the classic art produced of the masters of the past, constituting the key character of this project.
The proposal of the Chelpa Ferro Group is closely aligned with the thoughts of the Curator. Provisional Stability is a quasi-illustration of this idea. The established, the enshrined, wither away before the playful. The disarray generated within such a tightly-structured context where the history of art had the function of creating stable setting for the life of Eva Klabin unleashes a stability (if only fleeting) that serves the purpose of questioning us about the place of things. Here, uncertainty becomes an open-ended value: the same value that has long guided actions in our society. Each moment, all the time, everything may change: due to violence, accident, or the speed with which information anticipates a future situation — through fear or through the increasingly forceful actions of Nature triggered by the environmental imbalances caused by human beings. In fact, the quest for stability / instability that denounces the precarious situation where we are living right on the edge is the main triumph of the Chelpa Ferro installation. It finds the perfect setting in the mansion-museum that was once the home of Eva Klabin, revealing through contrast the discomfort and uncertainty of this precarious and transitory situation.
Marcio Doctors
Curator
o principio era o som do verbo sorrateiro propagando o segundo tempo do caos/ o que era surgiu a partir do big – bang / no principio era o verbo sorrateiro propagando o segundo tempo do caos/ se existe radiação de fundo / eco luminoso primordial servindo para a medição da idade universal/existe também um eco ruidoso emoldurando essa radiação -ruído de fundo do big bang/ se existem jogos de mutação atômica existem atalhos de freqüência oculta na visão/ atalhos de freqüência ocultas na audição espalhados por aí botando a mão na massa da oferta sonora/ áudio visual oral/ animar os inanimados/ interferência na fala/ os/ matéria sonora/ embutido digital/ fala aparelhagem camuflada na utilidade/aparelhagem/ equipamento/ objeto/ carne / tudo distorcido pelo fugitivo sound/ som embutido no cinzeiro/fogo da fala/pira sonoplástica/ grito seqüestrado pelo isqueiro/ampliado pela distorção/ o som da política/ o som do esporte/ o som do sexo/ o som das armas/o som das nuvens/o som do fígado funcionando/ dos olhos funcionando/ das uretras funcionando/ o som do gozo/ da pancadaria na multidão/ o som capturado e ampliado/ distorcido nas maquinas industriais/ o som das águias em queda de rapina/ se existe radiação de fundo existe também um eco ruidoso emoldurando essa radiação/ resíduo sonoro em todos os corpos e objetos/ estetoscópios improvisados /acoplados a micro câmeras/ captando /capturando/ distorcendo sampleando os sons dentro da pedra/ mineral/ vegetal/ animal atmosférico/ animal atmosférico rugindo na caixa de som/ mediunidade ventriloca/ o som do ódio/ o som do amor/o som da boca aberta perplexa/ o som do plexo respirando/ transferido/ colocado numa imagem de tartaruga cujo casco recebe chuva feita especialmente pra ela/ acompanhando ela/ lorenzetti chuvendo na tartaruga que ganha respiração / som de respiração alterada por botões de aparelhagens/ tartaruga como aparelhagem/ tudo tem som superficial e oculto/ e a base desse som oculto é o ruído de micro segundo no momento do big bang/ diziam que não havia som propagado no espaço mas descobriram um ruído na primeira faísca/ presente em tudo/ fugitivo sound/ radiação de fundo/ o som da guerra/o som dos partos/ o som da cirurgia/o som dos leves dispositivos/o som da sinapse mal feita/ do estimulo nervoso no exame neurológico/ tomografia superposta ao som da ressonância magnética/o som do coração fora do corpo na mão do assassino/ o som do inumano/ o som na musica canção popular/ radar interferindo no radio/ onda sobre onda/ banda larga / megahertz/ giga hertz/ freqüência modulada/ baixa /alta/ atmosférico ruído embutido/ paisagem digitalizada produz que som? / no principio era o som do verbo propagando o segundo tempo do caos/ antes primordial /agora seqüencial/ cósmico groove/ se existem jogos de mutação atômica existem territórios de sonoridade oculta/ paisagens de visão oculta devendo ser excitadas pela sinestesia provocada por gambiarras inquietas/ aparelhagem como habitat/ bate estaca serra mater/ o que que tá rolando no sonar?/ consoante gritada/ vogal sussurrada no radio/ barulho de rascunho arranhando / som de juke Box tocando musica ao contrário/ toca musica partida/ esticada/ distorcida aparelhagem como habitat/diversões estressantes/ reza da batida fugitiva/ timbre de scractch vazando/ voltagem / amperagem/ jardim de amplificadores valvulados/ jardim valvulado/ mp3 no ovário/ bate estaca no porão/ on das curtas/ medias/ interferências/ fantasmas na tv velha/ válvulas/ som toque provocando as notas/ som provoca imaginação/ matemática das notas gerando sentimentos/ distorções gerando sensação nervosa que revigora alguma coisa dentro da mente/ instrumentos/ violino/ física do violino/ fugitivo sound/ riff no vivace/ riff no andante/ riff no allegro/ paganini provocante/ sensação nervosa gerada pelas propriedades acústicas do violino/ vibração antiga/ stradivarius/ Einstein tocando com Max Planck/ vibração do arco/ paganini/ corda friccionada/ intensidade na afinação/ dedilhando o totem/ proporção áurea/ quatro cordas acopladas/ stradivarius/ fugitivo sound no Paganini/ radiação de fundo/ eco do big bang vibrando sorrateiro no violino/ sampleado o riff do vivace/ violino/ cravelhas/ tempo superior/ captadores magnéticos/ aparelhagens com habitat/ fender stratocaster/ Gibson Les Paul/ cravelhas / tarraxas /pestanas/ alavanca do tremulo/ escala/ chave seletora/ pinos de fixação/ habitat ruidoso/ seqüenciadores/ grave gigante/ caixa de som embutida no vegetal/ o animal um seletor de frequencia do som selvagem/ cordas graves e agudas/ reverberação/ delay/equalização/ pizzicato/ slap/ bateria/ monumento/ totem sacudido/ prato de construção/ tom tom/ bumbo/ surdo/ caixa/ prato de ataque/ prato chinês/ floresta d trompetes/ instrumento colado no eletrodoméstico gera móvel grotesco com sons de caverna habitada por asas de morcego batendo sem parar/morcegos voando sem parar lotados de anfetaminas / batman travado/ instrumentos/ piano/ acordes arpejados/ acordes ritmados/ pedaladas acústicas/ piano elétrico/ sintetizador analógico/ mini-moog/ oscilador controlado por voltagem/ filtro controlador de voltagem/ midi in/midi out/ teclados/ órgão/quatrocentos tubos/ som de informal da urbanidade/ instrumento/ componentes dos instrumentos/dos totens/ pedais botões/ processador inter pentium/ estúdio como bunker/ memória RAM/ HD quantum/ mouse/placa mãe/ gravador/ musica no monitor/ver musica/ partitura digital colorida/ a cor do som/ saxofone/ boquilha/ braçadeira/ chave de oitava superior/ campânula/ chave de guarda/ apito de quem foi ampliado na avenida de repente/ chupada de pau / chupada de buceta/ caixa de som na vagina/ chupada na chupeta / boquinha de bebe reverberando/ fala dadaista/grunhido/ grito rasteiro/ cachos de laptops em wi fi com pendrives cheios de som de instrumentos sendo desmontados/ instrumentos sendo montados/ sendo acoplados a eletrodomésticos/a armamentos/ a encanamentos/ saxofones em autoramas/ instrumentos acoplados a carros/ veículos/violoncelos em tratores/ violinos nos varais/ tubas boiando na praia/ violões colados nas arvores/ teclados arrancados de pianos e colocados em zebras encurraladas/ monitores despencando de aviões / monitores ligados aos computadores por cabos quilométricos despencam de aviões com musicas sendo misturadas/ tocadas nos processadores/ nas programações estratosféricas/ guitarras no deserto/ areia no captador/ ventania de tempestade de areia/ som de tudo captado/ capturado/ sampleado/ noise/ sebo de fiações/ festival de aparelhagens/ habitat dos riffs/ groove cósmico / atalho de freqüência oculta/ fugitivo sound/distorcido/ tapeçaria de cabos/ aparelhagem como habitat–
Em 1993, o Chelpa Ferro realizou sua primeira apresentação ao vivo dentro do projeto CEP 20000, organizado pelo poeta Chacal. Interessado na expansão do universo sonoro-visual e na descoberta de maneiras diferentes de organizar suas improvisações, o grupo vem desenvolvendo sua linguagem. Em função da busca por “novos” sons e por possibilidades diferentes de orquestração e montagem, O Chelpa Ferro trabalha com a pesquisa de fontes sonoras acústicas e eletrônicas, com a construção de “máquinas e mecanismos sonoros”, e com a utilização, não-convencional, de instrumentos musicais tradicionais.
A isto se soma um diálogo, também ininterrupto, com o cinema, vídeo, teatro e a dança. Nas instalações/concertos o espaço de fronteira e interseção entre as informações visuais e sonoras é o lugar onde se constrói essa experiência com conceitos como textura, organização espacial, sobreposição, perspectiva, densidade, velocidade, repetição, fragmentação, etc. A proposição de um estado de curiosidade e disposição contemplativa para a escuta e a discussão das relações dos sons com o espaço são as idéias principais sobre as quais se apóiam os trabalhos do grupo.