O trígono Artifício-Razão-Natureza pode parecer-se, talvez, com uma estranha confluência de proposições contrárias e não imediatamente relacionáveis. Mas o trabalho criativo de Gabriela Albergaria procura sempre reconciliar o que, à primeira vista, poderia sugerir os aspectos contrários da arte e da natureza. A sua instalação de projecto actual, com base na Pfaueninsel (Ilha dos Pavões), no Wahnsee, perto de Berlim, é mais uma vez uma destas intervenções subtis, bem como uma proposta atraente. Gabriela Albergaria procurou frequentemente expressar questões relacionadas com o Jardim Iluminista – um produto do artifício e da realidade – tal como foi mediado através dos estágios subsequentes de manifestação industrial e pós-industrial. O projecto Pfaueninsel inicia-se no local da Casa das Palmeiras (destruída por um fogo em Maio de 1880), que foi construída pelo arquitecto Albert Dietrich Schadow (1797-1869). Filho de Friedrich Gottlieb Schadow (1761-1831), director de obras públicas e comissário da construção de palácios, tornou-se discípulo de Karl Friedrich Schinkel (1781-1841), que conheceu e com quem trabalhou na realização dos Novos Pavilhões no parque do palácio de Charlottenburg, em 1824-25. De seguida, Albert Dietrich Schadow executou a Casa das Palmeiras, na Pfaueninsel, entre os anos de 1829-31, seguindo de perto um desenho de Schinkel. Existem ainda algumas pistas de como seria a Casa das Palmeiras, como gravuras e uma pintura do seu interior, esta última datada de 1832-34 e executada pelo artista Carl Eduard Ferdinand Blechen (1798-1840), nascido em Cottbus. Os aspectos relevantes para a artista são a utilização de estruturas de ferro e vidro, algo que lança a aparência de uma realidade pseudo-natural no interior de enquadramento do início da era industrial. Neste sentido, a Casa das Palmeiras representava um exemplo precoce da interface entre a indústria e a natureza.
O desenvolvimento de estruturas como a Casa das Palmeiras e de estufas tipificou a novíssima industrialização da natureza que ocorreu no século xix, com as suas interfaces artificiais e elementos pseudo-naturais. A própria Pfaueninsel, e como extensão as paisagens e os ambientes de jardins do século xviii, elaboram uma noção semelhante de falsa natureza. Isto é articulado através da história e construção de edifícios dispendiosos e inúteis (pseudo-edifícios que podem ser encontrados na Pfaueninsel), nos quais as alusões ao passado eram crescentemente colocadas sob a rubrica de um quadro extravagante ou, mais tarde, do diorama à escala (o termo foi primeiro utilizado por Louis Daguerre em 1822). Esta apetência pelo exótico transformou-se no Orientalismo exacerbado de meados do século xix, mas a Casa das Palmeiras também esteve aliada aos desenvolvimentos, nos séculos xviii e xix, de locais como o Jardim Botânico e o Jardim Zoológico de Berlim (com origem em 1679 e 1844 respectivamente). Albergaria ocupa-se assim de uma matriz complexa de ideias interrelacionadas que não só jogam com a naturalidade do artificial mas também de como o processo de naturalização do artifício tem lugar através da adaptação de plantas e ambiente. Porém, os seus trabalhos têm de ser lidos através da linguagem da arte, e não especificamente pela linguagem da ciência, apesar de a artista nunca negar explicações científicas que possam existir. As questões colocadas por Albergaria permanecem em aberto. Será que aquilo que foi formado e concebido artificialmente se torna cada vez mais natural para a disposição psíquica do uso que fazemos da consciência moderna? Como resultado, e dada a natureza das diversas plantas que uma vez existiram na Casa das Palmeiras, testam-se os temas da transplantação e do colonialismo. E, por sugestão subsequente, também um complexo de processos históricos, sociais e políticos são sublinhados através do seu desenho e instalações fotográficas. O facto de que ambientes de plantas se adaptam ao longo do tempo confere uma sensação de realidade ficcional àquilo que nasceu do artifício.
Gabriela Albergaria, em todas as instâncias, segue o padrão da pesquisa histórica e do desenvolvimento, e assim o seu conhecimento e a história documentada da Casa das Palmeiras na Pfaueninsel é um aspecto dado da sua produção. Mas a verdadeira origem da ideia por detrás de Under an Artificial Sky está também ligada a trabalhos anteriores, como é o caso de Cestos, mostrados primeiramente no seu projecto Collect, Transplantar, Coloniser, no Centro Cultural de Belém, Lisboa, em 2004/2005. Estes cestos têm uma história associada à transferência de plantas dos seus locais originais (por vezes exóticos) para ambientes construídos artificialmente na Europa – como é o caso da Casa das Palmeiras na Pfaueninsel. Assim, funcionam como uma metáfora do transplante baseando-se nos cestos originais primeiro concebidos pelo famoso botânico e jardineiro francês Thouin, do Jardin des Plants, de Paris – os quais foram utilizados na expedição realizada com Lapérousse (1785-1788). Mas mais que isso, e visto que são eles próprios feitos de matéria vegetal, multiplicam-se como forma de referência à adaptação e a hibridação das plantas. Também nos lembra temas como a enxertia, os quais também surgem frequentemente noutras peças do corpo de obras de Albergaria.
O projecto Under an Artificial Sky começa assim com a referência aos cestos que formam parte da instalação. No entanto, os principais aspectos são os desenhos de grande escala feitos com lápis de cor e desenvolvidos em várias partes (280 x 400 cm), deliberadamente a base de uma paisagem ficcionada. Estes são acompanhados por desenhos que mostram uma variedade de motivos vegetais ornamentais utilizados na arquitectura. Neste caso encontramos uma justaposição imediata da paisagem artificial, que é colocada junto às abstracções hieráticas e estilizadas de palmeiras. A industrialização de motivos exóticos e livros de padrões teriam uma enorme influência sobre a arquitectura do século xix. Nas paredes da instalação encontra-se também uma série de textos, uma abordagem utilizada anteriormente na sua galeria de Lisboa, e numa exposição recente na Fundação Gulbenkian em Paris. Referências a Goethe e à taxonomia botânica aplicam-se, mas na realidade estas citações expõem intenções colonialistas dissimuladas por detrás da obsessão oitocentista com as estufas de vidro e da sua aplicação e utilização ao serviço da industrialização. Apenas precisamos de pensar no último mas legendário Palácio de Cristal onde decorreu a Grande Exposição em Londres, em 1851. Aparte o conteúdo exótico, a apropriação e o transporte de plantas para a Europa foi principalmente económica, revelando quase exactamente as mesmas motivações da exploração e transporte de seres humanos a partir das colónias. Na qualidade de artista portuguesa, Albergaria está bastante ciente do papel do seu país no colonialismo. Uma das citações revela a questão mais explicitamente "O uso económico dos vários tipos de palmeiras pelas potências coloniais foi uma razão importante para a sua inclusão nas colecções botânicas e jardins de Inverno do século xix." Apesar da escala da Casa das Palmeiras ser modesta 109' x 46' x 46', a natureza da tradução e do uso adaptado integra uma história escondida e revela muitos motivos esquecidos que frequentemente se encontravam por detrás da industrialização da natureza, sendo familiarmente expressos através do paisagismo artificial e dos ambientes relacionados com jardins.
Apesar dos trabalhos-projectos de Gabriela Albergaria sugerirem sempre uma intervenção suave, vistos mais de perto revelam um conteúdo distintamente subversivo, "o visitante frequentemente ficava com a impressão de que o seu país tinha tomado posse de continentes cheios destas palmeiras…." O conteúdo artificial de como a mente moderna compreende o que é natural é posto em causa em todos os seus trabalhos, tal como é a característica apelativa de como estas formas de plantas se adaptam a si próprias ao novo ambiente e habitats da colonização botânica. Lembramo-nos um pouco de Gregor Mendel (1822-1884) – frequentemente considerado o pai da genética moderna – e do seu famoso texto 'Experiências na Hibridização de Plantas' (1865). Assim, uma inteira plataforma de ideias associativas emerge destes desenvolvimentos precoces do exoticismo económico. A industrialização da natureza, a sua origem artificial, cria uma jangada de associações em deriva. Não é minha intenção sugerir que Gabriela Albergaria insinua todas estas avenidas como explicitamente intencionais, mas que, como todos os artistas, a questão da forma e da função é inevitavelmente trazida ao de cima. Assim, as fotografias/desenhos que também fazem parte da instalação, e que derivam do Jardim Botânico de Berlim-Dahlem, são dedicadas a temas de geografia botânica. Na verdade, apesar de os mencionar por último lugar, estes formam a chave para todo o restante conteúdo do projecto. Uma chave porque são primariamente e deliberadamente artificiais (um desenho de uma artista praticando artifício) e mecânicos (a câmara como dispositivo de registo). O Iluminismo e a ciência moderna são supostamente movidos pela razão, mas o caminho é também profundamente enraizado no artifício e na natureza. Gabriela Albergaria, ao olhar de perto para as aspirações do passado – a perdida Casa das Palmeiras da Pfaueninsel – conseguiu abrir uma relação de ideias que mostram que o trígono artifício-razão-natureza está longe de ser dissonante e que os três estão até demais interrelacionados.
O homem moderno não pode estabelecer a sua relação com a natureza como uma relação de dominação (Descartes: senhores e possuidores da natureza) a não ser estabelecendo a natureza como um conjunto dos objectos inertes e a sociedade como sujeito de um domínio racional. Corneluis Castoriadis
Todos os lugares podem ser espaços habitáveis no contexto de micro-comunidades que se vão redefinindo pela utilização recorrente de poucos metros quadrados. À medida que o espaço vital é reduzido, os corpos adaptam-se à diminuição progressiva dessas superfícies circunscritas, ainda assim capazes de garantir algumas formas de sobrevivência.
O progresso urbano preparou os recantos de uma vida presente em que os habitantes das cidades ficam cada vez mais restringidos aos limites indefinidos das áreas construídas. A arquitectura redecorou com grandiosos edifícios de vidro suportados por redes de cabos de aço e ferro soldados, projectos de uma cidade imaginária, erguida na acumulação de imagens de corpos-objectos envoltos por uma natureza esquecida e transformada.
Gabriela Albergaria trabalha a natureza através de um conjunto de preocupações que se relacionam com a perda de referência, ou seja, a ideia de uma natureza que se sujeita a sucessivos processos de humanização e se apresenta incapaz de sobreviver num mundo onde a proliferação de espectros e simulacros de ambientes naturais supera a própria realidade.
Através de processos de organização preestabelecidos que têm em consideração o espaço envolvente, a artista reproduz um conjunto de acções de mediação entre os elementos naturais e a tecnologia enquanto aplicação de conhecimento. Nesta forma de proceder, há uma clara procura de uma solução de equilíbrio que não seja agressiva para com o lado que, apresentando-se deslocado do seu meio natural, surge inevitavelmente mais frágil e dependente. Durante milhões de anos a natureza dominou o Homem, impondo-lhe limites em todo o tipo de actividades relacionadas com a sua sobrevivência. Presentemente, a ideia de um mundo natural, aparece-nos como algo de controlável e passível de ser anulado em nome de concepções subjacentes a noções de progresso e desenvolvimento, que não se prendem de todo com a satisfação de necessidades básicas.
Ao manter-se numa escala de referência que remete para uma simbologia essencial da natureza, esta obra procura desencadear processos de recuperação, não no sentido de um retorno a uma concepção original mais pura, mas de proteger, pela reprodução de uma série de tarefas de atenção e de zelo, advindo desta dualidade uma forte carga metafórica.
Esta exposição, projectada para o Centro Cultural Vila Flor, baseia-se na organização de dois territórios, partindo de lógicas de apresentação completamente distintas. Numa abordagem contemporânea que procura desenvolver e explorar as particularidades de um lugar específico, possuidor de uma enorme componente histórica, é reunido um conjunto de obras e ideias, com o objectivo de estimular o estabelecimento de diálogos e confrontos entre os diferentes elementos presentes.
No primeiro piso, apresenta-se um conjunto de trabalhos, maioritariamente tridimensionais, dispostos numa perspectiva longitudinal – norte/sul – que sugerem diversos mecanismos de aproximação à natureza. Um desenho, como uma espécie de visão fragmentada de um ambiente arborizado, composto pela repetição exaustiva de frames, propõe uma ordenação de pontos de vista para a composição de um espaço coerente. No lado oposto, uma série de árvores são reconstruídas a partir de troncos e desperdícios sem vida; ao centro, uma amostra de jardim sem intervenção aparente, é colocado sobre o tampo de uma mesa, sugerindo uma ideia de transporte e reintegração. Nas paredes laterais, aproveitando a reentrância das janelas, duas caixas com outros jardins são dispostas de forma a desenvolver uma relação de prolongamento, do interior para o exterior.
No segundo piso, que se apresenta divido em duas metades, orientadas no sentido este/oeste, as janelas e as paredes a poente são utilizadas para narrar algumas referências históricas acerca do jardim do Palácio Vila Flor, retiradas de publicações sobre o edifício, propondo uma espécie de reorganização de factos através do desenho da palavra. No lado contrário, a nascente, uma série de fotografias de árvores e ramificações são completadas através de desenhos.
A importância desta exposição, e da obra da Gabriela Albergaria em geral, é a possibilidade de se encontrarem mecanismos de contratualização entre os significados contidos no seu trabalho e os espaços onde este se inscreve. Ao evitar recriar formas de viabilização ou sustentação da biodiversidade, papel que actualmente é exclusivamente confinado à ciência, a artista procura estabelecer, no absurdo e na estranheza das situações apresentadas, um desencadear de actos isentos e livres, capazes de ultrapassar pressupostos directamente relacionados com a anulação ou protecção do meio natural.
As sociedades urbanas transplantaram a natureza para paisagens enfraquecidas, digitalmente projectadas. Cenários foram arduamente edificados sobre actos improcedentes de ordenação e planeamento para a concepção de uma nova categoria de ser biológico, escolhido apenas pelas suas características fotogénicas. Ninguém pode realmente conquistar os espaços ocupados pelo transtorno e desatino colectivos, nem reviver momentos extremos de sobrevivência do passado, que agora se perdem na extensão de ruídos humanos, feitos de desejos impossíveis de concretizar, ao mesmo tempo que produzem uma multidão de abandonados sem preocupações. Gabriela Albergaria aborda estes e outros temas, pela reconstituição de uma nova plasticidade baseada nestes restos, nestes subprodutos da memória veiculados a uma mutação onde as imagens manipuladas adquirem uma segunda vida na imperfeição redefinida das visões do corpo.
1. O século XX trouxe dois caminhos, que por vezes se cruzam, para as práticas artís-
ticas: um percurso que deriva de uma crítica da imagem, iniciado no século XIX, e que se propõe reflectir sobre as condições de verosimilhança da imagem, seja por processos pictóricos, seja através do uso de filme, fotografia ou vídeo (o desenho é um outro assunto); e um caminho que se propõe produzir situações, a maior parte das vezes circunstanciais, ou ambientais, que usam dispositivos retirados a outras dimensões da expressão humana, nomeadamente a arquitectura, o teatro, a música – ou, em termos mais metafóricos, a sociologia, a política ou a antropologia.
Claro que nenhuma destas vias representa um caminho estanque. Muitas vezes a utilização da imagem parte de uma proposição extra-artística (a psicanálise, no caso do surrealismo, a sociologia ou a política, no caso das formas mais documentais), ou por vezes a situação deriva de um absoluto primado estético, ou artístico-
-fenomenológico, como é o caso das vias mais vinculadas a problemas formais ou de percepção. No entanto, as duas vias são legíveis no cômputo geral da prática artística e instauram diferentes processos de relação com a obra de arte, solicitando diversos registos para a nossa apreciação, diferentes recursos, ora mais ligados a processos de sensibilidade, ora mais vinculados a processos cognitivos, ou a decisões tomadas como “de conceito”.
O percurso de Gabriela Albergaria é particularmente revelador desta segunda instância, na medida em que as suas obras são processos de partilha de circunstâncias que resultam em intervenções, por vezes mais próximas do real, outras da história ou da memória, mas que resultam sempre em situações vivenciais para o espectador.
O trabalho de Gabriela Albergaria usa um dispositivo que funciona para ela como uma fala – poderia dizer uma linguagem, mas é mais do que isso -, e que consiste na utilização dos jardins como instrumento para o seu trabalho. Frequentemente este dispositivo tem vindo a ser tomado como uma ligação à paisagem; no entanto, o seu foco no uso do jardim (seja através de obras aí instaladas que derivam do próprio sistema botânico, seja a partir de modelos, maquetes, desenhos, fotografias ou narrativas), é bastante mais preciso do que seria um genérico interesse pela paisagem. Trata-se de partir do jardim do século XVIII nas suas múltiplas versões – o jardim romântico, ou o jardim botânico, ou o jardim inglês de recreio e aparato -, para encontrar processos que se prendem com movimentações culturais colectivas, ou com a subjectividade da pequena estória individual, com a memória colectiva ou, bem pelo contrário, com as memórias que atravessam as narrativas pessoais.
Assim, o trabalho de Gabriela Albergaria usa o jardim - ficando em aberto a possibilidade de poder vir a usar outro tipo de dispositivos, como, aliás, aconteceu no passado. Nos últimos anos, no entanto, este tem sido o seu moto e a sua ferramenta.
2. Para compreender o percurso de Gabriela Albergaria e a sua relação com os jardins iluministas, é necessário entender que o jardim é um mecanismo metafórico poderoso que junta, na sua complexidade, uma memória ou uma remissão para uma mundividência, bem como uma sintomatologia do momento áureo do período colonial, seja do colonialismo britânico, do alemão, do holandês, do espanhol ou do português. Podemos, para iniciar, afirmar que o interesse da artista pelo mecanismo do jardim se prende, em primeiro lugar, com a sua condição de artista portuguesa. De facto, a referência colonial está particularmente viva nos jardins botânicos, na medida em que são um testemunho de um tipo de migração (como dizia Susan Sontag, os processos de globalização não começam no século XX, mas em 1492), a das espécies vegetais que reconfiguraram as nossas paisagens. Para um português é difícil imaginar Lisboa sem palmeiras, como será impossível imaginar a Índia sem malaguetas, ou o Brasil sem coqueiros, ou a Alemanha sem batatas. Mas essa é a realidade pré-colonial, e a migração de espécies vegetais provocada pelos processos coloniais transformou radicalmente a forma de vivência da paisagem (como a alimentação e a morfologia dos solos), instaurando novas formas de identidade paisagística e de negociação cultural. Os jardins são a forma mais sintética e cabal de demonstração deste processo de transformação, transformada num espectáculo do sistema racional do seu processo de organização.
Neste sentido, os jardins são uma forma sensível de demonstração de um sistema de pensamento, o racionalismo europeu que procura inventariar, catalogar, organizar e mostrar o resultado do universo cultural das importações e migrações das espécies provocadas pelos processos coloniais (e seu móbil também).
Portanto, uma primeira razão para o interesse de Gabriela Albergaria pelos jardins como dispositivo liga-se a uma tentativa de mapeamento dos processos de contaminação cultural lançados a partir dos movimentos coloniais.
Nesse sentido, a sua preocupação com o universo dos jardins, a partir dos quais veio a construir um determinado know how botânico – e a este aspecto voltaremos mais adiante -, não é o da pura reflexão sobre a questão fenomenológica da paisagem, nem tão pouco o resultado de um pensamento sobre os processos de transformação do território. Se o primeiro processo, muito comum em muita arte contemporânea, se encaminharia para uma questão de representação, o segundo constituiria uma extensão antropológica, ou sociológica, das temáticas ligadas a uma visão distributiva, mapeada, do território que os jardins configuram. Num outro caminho, o percurso de Gabriela Albergaria tem vindo a realizar uma abordagem das questões sensíveis da construção cultural, física, política e (globalmente) comunitária que presidem ao jardim como dispositivo científico, de aparato e lúdico, mas mantendo a sua abordagem sempre ao nível do exercício do olhar em direcção a um hipotético horizonte. Assim, a questão da organização dos jardins e a sua ratio constituem ferramentas para a construção de intervenções que nunca abdicam de um âmbito vivencial, como experiência, no sentido de John Dewey.
3. Existe no percurso de Gabriela Albergaria a presença de uma linhagem que se pode indexar a Robert Smithson, precisamente a partir desta dimensão do exercício de uma crítica sensível ao campo experiencial.
Se, para Smithson, o campo da paisagem não era um suporte para uma questão de representação, essa opção deve-se a uma tentativa de sair de uma prática artística que configurasse uma estética em favor de uma prática da arte que definisse um campo de experiência. Para tal, Smithson encontra um processo de intervenção na paisagem que resulta num emagrecimento da prática artística até não sobrar mais do que a agudeza do espaço e do tempo (como diz Gary Shapiro), para depois abdicar da própria noção kantiana de espaço e tempo em favor de uma contracção na ideia de lugar. De uma certa forma, esta mesma opção é tomada por Gabriela Albergaria nas obras que implicam uma intervenção directa num contexto não-museológico. As suas intervenções resultam na produção de lugares, isto é, de possibilidades de vivências específicas de uma determinada contracção espácio-temporal só possível porque a sua determinante é a vivência cultural e afectiva de uma situação – da qual, obviamente, faz parte uma localização específica no espaço e no tempo, mas que não é, em última instância, definida por estes vectores, mas por um terceiro, a saber, a sua existência para o espectador enquanto experiência.
Pode-se compreender assim o carácter dúbio que as suas intervenções possuem em termos da relação estética que suscitam: não sendo determinadas pela ideia moderna de espaço-tempo não vivem da possibilidade de fundamentação estética, mas da sua existência como valências artísticas determinadas por conceitos, preceitos e afectos, numa triangulação de contornos dúcteis e variáveis.
4. O mesmo não é inferível das suas obras escultóricas, dos seus desenhos e fotografias. De facto, as suas esculturas são criaturas metamórficas a partir de uma ideia de árvore (e de uma árvore sempre real). Para a sua construção, a artista usa um conjunto definido de procedimentos de recolha da espécie que posteriormente irá mutilar, reconstruir e remontar. Em primeiro lugar, só usa árvores condenadas – ou por estarem mortas, ou por estarem destinadas a abate -, recusando a possibilidade de trabalhar com espécimes viáveis. Em segundo lugar, documenta em suporte videográfico e fotográfico todo o processo de recolha da árvore que irá manipular, estendendo, assim, o trabalho escultórico a todo o processo preparatório, ou seja, definindo um âmbito claramente performativo para a sua escultura. Em terceiro lugar, não produz a escultura a partir de um desenho prévio, mas é, pelo contrário, a partir do desmantelamento da árvore, que encontra o desenho da sua futura configuração espacial. Desta forma, a criação das suas esculturas de árvores “assistidas” possui um processo construtivo muito próximo do resultado final. Quer isto dizer que o seu carácter metamórfico e aparentemente evolutivo corresponde, de facto, a uma tipologia de construção mais próxima do desenho do que da escultura como metodologia. Este facto prende-se ao próprio percurso de Gabriela Albergaria, no qual o desenho ocupa um lugar importante, não só como prática artística, mas como processo metafórico da própria criação artística. De facto, o início da própria relação da artista com o universo dos jardins começou com o desenho sistemático, quase diarístico de jardins – especificamente dos jardins de Berlim, durante a sua residência na Kunstlerhaus Bethanien, posteriormente de Paris, durante a sua estadia na Cité des Arts (de que resultaria o interessante livro resultado da colaboração com a crítica e curadora Joana Neves). Esse método diarístico sedimentou uma prática quotidiana do desenho, nas suas vertentes: como anotação, como mind maping, como registo, documentação ou preparação, ou finalmente como “obra”.
Uma tal profusão de finalidades numa prática artística só é possível no desenho e na fotografia e, nesse sentido, a atracção de Gabriela Albergaria pelo uso da fotografia enquadra-se no mesmo padrão de necessidade que a fez usar sistematicamente o desenho.
5. No caso da fotografia, no entanto, existe uma conexão importante com a questão da escala e do uso de modelos.
As primeiras utilizações de fotografia presentes no seu trabalho surgiram a partir das primeiras maquetes de jardins. De facto tratava-se, para a artista, de construir universos híbridos, espaços modelados a partir da estrutura do jardim, na altura vinculados a uma ideia de memória pessoal, nomeadamente a uma certa instância de recordação e infância. Essas maquetes constituíram, no entanto, fundamentais bancos de ensaio para o desenvolvimento de metodologias de representação, de trabalho sobre a escala e de compreensão dos próprios processos botânicos. Curiosamente, as consequências foram duplas e divergentes. Por um lado, Gabriela Albergaria começou a necessitar de fotografar as suas maquetes para, nessa operação, definir um novo campo de duplicidade: na fotografia a escala torna-se dúbia, propondo um novo campo de pesquisa – a própria ambiguidade da escala. Ora essa ambiguidade necessita de ser trabalhada ao nível da “suspension of disbelief”, quer no suporte maquete, quer no suporte fotográfico. Se no suporte maquete se trata de aperfeiçoar e desenvolver linguagens e códigos próprios que definem coerências internas dos modelos, no suporte fotográfico trata-se de construir dramaticidades, narrativas crípticas e toda uma imagética que define um mundo – ou melhor, que define um lugar.
Assim, a propósito de uma questão de representação, Gabriela Albergaria encontrou a questão do lugar como seu topos.
A segunda consequência do trabalho com maquetes resulta do salto que proporcionou entre o universo da memória como campo de subjectividade, ligado à expe
-riência pessoal e de intimidade, para uma segunda acepção dos processos de memória no sentido da partilha cultural de matrizes – no sentido do Nachleben warburguiano.
Quer isto dizer que, se as maquetes surgem como expressão experimental pessoal de lugares projectivos, a adopção de códigos de representação implica a definição de campos de partilha com o espectador. Ora estes campos comuns suscitam questões de âmbito comum – e a necessária passagem para um plano de intersubjectividade.
Num sentido amplo, a adopção de uma tipologia próxima das metodologias de projecto (nomeadamente da arquitectura) veio, assim, a realizar, quase de forma exemplar, a passagem para o domínio inevitável do cívico, ou mesmo do político, no trabalho de Gabriela Albergaria.
O uso do desenho tem sido, como vimos, um eixo continuado e, numa certa medida, estruturante do trabalho de Gabriela Albergaria. Referimos a génese diarística do seu uso em relação aos jardins, como método primeiro de abordagem e relação. No entanto, referimos já a existência de um desenho que se afirma como “obra” (embora seja claro que, na fluidez de processos de Gabriela Albergaria, o estatuto de determinados usos de suportes possa ser intermutável), isto é, que implica um pensamento sobre as questões metodológicas e estéticas do próprio desenho. Nesse sentido, a questão da escala, bem como a introdução de um método de construção compósito (por exemplo com o uso de grandes painéis compostos por conjuntos de desenhos, ou a utilização híbrida de desenhos e fotografias como duas instâncias niveladas de representação) propicia um trabalho sobre a narratividade, introduzindo um campo de ficcionalidade: nos desenhos compósitos afirmam-se percursos, propõem-se deambulações, pontos de vista contraditórios, etc. Dito de outra forma: o uso que Gabriela Albergaria faz do desenho é próximo de uma visão cinemática, até porque torna consciente uma questão, a do “fora-de-campo”. O que é esse “fora-de-campo”? É o jardim enquanto máquina de produção de sentido e capital crítico.
Assim, o seu trabalho é sempre remissor para uma instância que é, ela mesma, uma categoria ficcional do seu trabalho, como se o jogo de ficcionalidade se projectasse sobre a realidade, fazendo-a uma categoria interna do seu processo de “suspension of disbelief”.
Os jardins de Gabriela Albergaria são, neste sentido, uma construção ao serviço do efectivo problema que tem vindo a envolver todo o seu percurso: como podemos experi-
mentar uma obra de arte como se ela fosse muito mais real do que a realidade?
Só a artificialidade da natureza poderá fornecer qualquer pista.
Os jardins são o material principal do trabalho de Gabriela Albergaria. Usa-os como como uma ferramenta simultaneamente narrativa, estética, antropológica e mnemónica. Em qualquer destes termos e destas funções, eles cumprem no seu trabalho o papel de uma fala que se vai declinando em função das condições específicas de cada projecto, usando para isso o desenho, a escultura, a instalação e a fotografia para desenvolver um percurso sobre as questões da paisagem, a sua importância no contexto da construção de vivências sociais e a memória do processo colonial presente na migração das espécies vegetais.
O seu trabalho, na diversidade dos suportes que utiliza, define situações que convocam o espectador para a redescoberta do lugar através de referências às memorias colectivas que por eles perpassam.
Os jardins são, em si mesmos, poderosas construções metafóricas, na sua génese alheios à ideia romântica de paisagem, na medida em que não se destacam como fragmento, mas como alegoria de um mundo. É dessa configuração do jardim como mundo que nasce o trabalho de Gabriela Albergaria, muito mais do que de uma ideia de paisagem. Por outras palavras, é mais da ideia de que o lugar do jardim é o de um dispositivo que gera uma articulação de vivências a partir de uma configuração histórica e social e menos a partir de uma estética da paisagem enquanto ordenação visual de um fragmento do mundo que os seus projectos se desenvolvem. O seu método é o de compreender a mecânica operativa desse micro-cosmos e promover uma intervenção que glosa procedimentos botânicos que definem um léxico, uma gramática a partir destas metodologias que possuem nomes: enxertias, biocenose, classificação, truncagem.
O resultado desta clonagem espúria entre o universo da botânica e os dispositivos artísticos é sempre orientado em função da memoria dos géneros artísticos, da utilização do desenho, da escultura – ou dos mais recentes, como a fotografia, a instalação, ou processos performativos. Assim, as suas intervenções centram-se na definição, no interior do espaço expositivo, de situações que se alimentam de um mundo que é, em si mesmo, alegórico e que se produziu a partir de uma técnica e de uma cultura, para definir uma nova situação devolvida à quota do espectador (para usar o termo de Ernest Gombrich) e à sua cota – como paisagem, agora, sim, fragmentar e portadora de uma clara determinante estética e ordenadora do campo da visão.
A exposição Térmico que a artista agora apresenta, é composta por duas esculturas e três desenhos que ocupam na totalidade o espaço do Pavilhão Branco. Partindo da situação do jardim do Palácio Pimenta, Gabriela Albergaria toma a relação com a tipologia do jardim de lazer, o eco das práticas de arquivamento e desenvolvimento das espécies naturais e a capacidade ficcional do espaço do jardim como as suas matérias, para produzir um sistema de referencias e racords internos à arquitectura do pavilhão. No espaço térreo, uma árvore redesenhada ocupa a primeira sala. A metodologia desta esculturização de uma árvore recorre a processos violentos e particularmente crus como o atravessamento do tronco por espigões de aço, a suspensão da árvore a partir de cabos que a levantam do solo, a eliminação da folhagem e a enxertia de um gigantesco parafuso de aço galvanizado que, ironicamente, permitiria a sua recolocação mecânica no solo. Há um eco de enorme violência no processo que vai do apagamento da sua identidade botânica até ao sistema sacrificial da sua suspensão, transformando a conversão em escultura num processo doloroso e quase brutal, reforçado pela sua imposição no espaço.
Na sala seguinte, uma escultura feita de terra, de uma massividade quase minimal, repete a operação de conversão de uma cama térmica, agora esterilizada, funcionando o piso superior como uma repetição invertida destes processos a partir de uma didáctica da representação, produzida a partir de desenhos de paisagem e desenhos que produzem, no seu conjunto, uma explicação sobre a retenção do calor produzida pelo solo numa estufa: quanto maior é a estufa, maior o calor que ela liberta.
A exposição explicita-se (aparentemente) como a conversão do espaço do Pavilhão numa enorme estufa, fazendo o título menção ao processo de preservação térmica da terra fértil – o que, possuindo uma referência a Joseph Beuys, constrói uma máquina de deslocação a partir da metáfora do calor, da fertilidade, agora subvertida a partir de processos de esterilização e musealização.
Esta conversão do espaço do Pavilhão é ainda dado através de uma obra performativa que a artista construiu especificamente para a inauguração da exposição – e que só nesse dia poderá ser usada pelos espectadores – que consiste numa estrutura que proporciona um ponto de vista específico e exterior sobre a sala de exposição, articulando a antinomia entre natureza e artificialidade, realidade e representação que constituem o centro do seu trabalho.
O processo deste complexo dispositivo radica, em última instancia, numa máquina irónica sobre a artificialidade da natureza, sobre o processo de artificialização que é inerente à arquitectura do jardim, como da arte.
Imaginemos que algum pavão do jardim, na caricatura barroca do excesso das suas penas, possa compreender esta conversão e solte, confinado e natural, o seu bramido.
Natureza ou o jogo dos sistemas de códigos
O trabalho de Gabriela Albergaria abarca um território cujo significante, de tão vasto, se torna mais do que ambíguo: a “Natureza”. Mas a artista traz uma importante complexificação a esta primeira abordagem. Ao enveredar por uma natureza manipulada, plantada, transportada, falada, catalogada, hierarquizada, estudada, sentida e lembrada, Albergaria joga como um dado instável, travesso, um palimpsesto de história e uma enorme diversidade de estórias. Ora estas, tanto a história de “h” grande como a mais íntima das estórias, passam resolutamente pela palavra, pela forma, ou seja, pela concatenação de experiências diversas numa qualquer instância da palavra, do conhecimento ou de uma prática. Para além de “descobrir” a Natureza, o homem “explora-se” a si próprio através dela.
O percurso da artista delineou muito cedo esta opção. Gabriela Albergaria nasceu em Vale de Cambra em 1965, passando a viver entre a sua vila natal e o Porto a partir dos quatorze anos – revesando uma vida urbana e cultural com uma outra, íntima e campestre. Mais tarde, após ter terminado os seus estudos na Faculdade de Belas Artes do Porto, com professores como Ângelo de Sousa, Alvaro Lapa, que muito a marcaram pela sua erudição e profundo conhecimento em arte e filosofia, foi viver para Lisboa em 1989 onde permanecerá até 2000, ano em que parte para Berlim. O paralelismo entre o texto escrito, a filosofia prática, e uma produção objectual são características paradigmáticas do processo de trabalho e de elaboração das suas obras.
A artista explora um sentimento característico a partir do século XVIII em que se mede a relação com a Natureza em questões de maior ou menor proximidade, associando quem lá está mergulhado (os camponeses, os pescadores, o bom selvagem?) a uma total ausência de consciência do que seria esse referente instável, fluído e proteíco correspondendo ao significante com maiúscula. A artista vive esse vaivém entre uma Natureza rústica e uma outra encarada desde a urbe, a literatura, a colonização, o “espaço verde” tendo concretamente desenvolvido desde pequena uma prática relativa à Natureza através da jardinagem. Empregue como “material” de trabalho pela artista, a Natureza é declinada nas suas diversas manifestações e nas inúmeras maneiras de a encarar, tanto a nível cultural como pessoal.
Ora a panóplia de modalidades de encontro entre a Natureza e o homem aparecem sob diversas formas, constituindo-se quase todas como sistemas de códigos. O título da proposta de Gabriela Albergaria para o Project Room do Centro Cultural de Belém induz o jogo de passagem de uns para outros: Collect, Transportar, Coloniser (2004). Para além de convocar várias línguas, apela para vários significados cujas conotações resultam numa clara afirmação da mestiçagem inerente ao confronto entre povos, linguagens, espécies, em suma, entre sistemas de códigos. “Coleccionar” implica uma taxionomia, uma grelha de investimento no real quer se trate de plantas ou de obras de arte. “Transportar” é uma premissa do primeiro verbo e implica a adaptação de um ser vivo a outras condições de vida, de um objecto a um outro contexto. “Coloniser”, o francês depois do inglês e do português, uma referência explicitamente feita na exposição à expedição de Lapérouse, implica uma história de nações e de poder. Sem tomar partidos, a perspectiva tomada pela artista através da diversidade de línguas e do movimento transnacional implícito nas palavras seleccionadas leva-nos a avaliar todas as partes implicadas no movimento de extracção de um ser ou de uma coisa do seu contexto “natural” - de lhe oferecer uma segunda natureza. A exposição, só pelo seu título, faz-nos passar das palavras aos locais, das pessoas aos seus objectos de poder e às edificações políticas de poder – da utopia do habitat natural à realidade da readaptação e da recomposição. O trabalho de Gabriela Albergaria, na sua vertente estritamente clássica da disciplina, nos seus saltos ao passado e na sua descoberta de sistemas de encontro com a Natureza, é radicalmente contemporâneo.
A relação de força ou de subjugação do homem em relação à Natureza formam um estado de alma em si, uma perspectiva histórica, uma certa capacidade de ficcionar. A Natureza pode ser tanto um vector de estabilidade como de profunda e perturbadora mudança, tanto através das suas manifestações mais violentas como passando pelo crivo das emoções do homem. E a Natureza, no seu estado incerto de revolta e de doçura, desmembra-se em manifestações de estranheza e de familiaridade, de conformidade ou de inconformismo. Camões estabelece precisamente essa relação multiforme e instável com a Natureza na qual integra o tempo e as suas mudanças (...“Que não se muda já como soía”) o que, veremos, não está muito longe do espectro de preocupações de Gabriela Albergaria:
A fermosura desta fresca serra
E a sombra dos verdes castanheiros,
O manso caminhar destes ribeiros,
Donde toda a tristeza se desterra;
O rouco som do mar, a estranha terra,
O esconder do sol pelos outeiros,
O recolher dos gados derradeiros,
Das nuvens pelo ar a branda guerra;
Enfim, tudo o que a rara Natureza
Com tanta variedade nos of’rece,
Me está, se não te vejo, magoando.
Sem ti, tudo me enjoa e me aborrece;
Sem ti, perpétuamente estou passando
Nas mores alegrias mor tristeza.
(Camões)
A elaboração do trabalho de Gabriela Albergaria é extraordináriamente complexo e vai buscar linhas conceptuais a territórios que não são específicos às artes plásticas. As ramificações conceptuais do seu trabalho são extremamente estimulantes porque conduzem o espectador a embrenhar-se em literatura ou experiências da natureza, em vez de necessitar um constante reenvio à obra ou uma cultura prévia para a sua apreciação.
Fotografia, escultura, desenho, linguagem, ficção
A obra fotográfica da artista é toda ela dedicada ao desassossego das imagens dos nossos jardins, das nossas casas – por extensão e em virtude da iluminação artificiosa, das nossas memórias. Começo por esta primeira manifestação do trabalho de Gabriela Albergaria não tanto por uma preocupação cronológica mas por se tratar de uma primeira formação da experiência pessoal e da Natureza em conjunto através de memórias de infância. Para a artista, criar uma imagem agora, significa reportar-se ao que ela já foi e como se enraizou para se tornar um protótipo de um sentimento ou experiência. “Casa de Pássaros”, uma casa de pássaros pouco convencional, construida pela artista, aglutina assim a questão da habitação, da casa como metáfora do passado e do presente transpostos para um relativo desconhecido, uma forma de alteridade próxima, o pássaro, acrescentando também uma perspectiva sobranceira, que a fascina: a do cimo da árvore. (Roni Horn tem ela também uma série de fotografias em que vários pássaros fotografados de trás assumem o papel destabilizador da identidade instável, tão próxima quanto misteriosa, parecendo uma elegante cabeleira feminina, descortinando-se como uma belíssima forma sensual desprovida de realidade sexual concreta).
Também me refiro às fotografias porque nelas começa uma ramificação criativa que conduz à escultura. Com efeito, para fazer as fotografias, a artista começou por fazer maquettes de jardins; nas suas palavras, ela “recria-os”. Ou seja, a fidelidade ao modelo não é o objectivo, por isso “recriar” é um termo empregue no seu sentido mais forte. Através destas maquettes, a artista apropria-se da sua memória e trabalha-a como se ela fosse o primeiro material com que estas maquettes são feitas. Pouco a pouco vai-se desviando da imagem inicial, vai manipulando aquele espaço, suponho que se vai deixando influenciar pelas leituras e experiências que entretanto tem vindo a fazer em torno do seu trabalho e da sua temática. As fotografias sugerem esta movimentação artificial pelo espaço, esta maleabilidade da imaginação e da memória trabalhando em conjunto para ficcionar. São quase notas metodológicas de orientação para um espectador que mirrou como Alice no País das Maravilhas, e que percorre aquele espaço em que realidade e imaginação se condensaram: produzindo as premissas espaciais para que uma história sempre em aberto se desenrole. “Tenho 7 anos e o buxo dá-me pelos ombros” é um conjunto inaugural dessa passagem da experiência - memória para um território ficcional, apresentado em 2000 no Projecto Mnemosyne, Coimbra.
As maquetes passaram a ser apresentadas com as imagens fotográficas quando a artista se apercebe que ambas invocam momentos diferentes da formulação de um espaço experimental abstracto. As maquettes disponibilizam o laboratório de uma construção que se faz a par do olhar enquanto que as fotografias, com o seu aspecto mais sombrio e misterioso, edificam um ambiente, uma atmosfera, ou seja, tipicamente a viagem da memória reportada ao tempo presente, desajustada, desenquadrada e no entanto estranhamente significante.
Aplico a palavra “maquette” porque se trata, de algum modo, de um jardim em formato reduzido. As plantas e arbustos escolhidos são cuidadosamente dispostos entre carreiros, montinhos, canteiros, estacas e fios que sugerem a disposição de um jardim, de uma floresta, de canteiros ou, simplesmente de um pedaço de relva. Estas maquettes são colocadas sobre mesas, no chão ou numa prateleira periclitante. Está ali uma paisagem em miniatura, uma pequena parte da flora que povoa o mundo e que generosa e contidamente se deixa observar, acarinhar, abrigar num pequeno quarto. Elas próprias são amiúde representações de jardins em devir, de planos de plantações. Por outro lado, os falsos enxertos são alusões ao carácter instável da Natureza de que se falava previamente, são a sugestão de segundas naturezas.
No início de uma obra notável de Claude Lévi-Strauss, La Pensée Sauvage (1962), o autor aventura-se pelo território das artes plásticas estimulado por uma aturada reflexão sobre o pensamento mágico e o pensamento científico. Lévi-Strauss pensa em termos de eventos e de estruturas e, numa extrema simplificação do seu pensamento, considera que a ciência elabora eventos a partir de estruturas e que o “bricoleur” (pensamento mágico) elabora estruturas através de eventos. O artista não será nem um nem outro, mas alude (e no caso de Gabriela Albergaria, essa é uma das características mais importantes do seu trabalho) aos dois universos. As artes plásticas, descobre o autor, elaboram e provocam uma emoção estética porque são “modelos reduzidos” ou miniaturas. E, numa rasteira ao argumento que mais obviamente se apresenta, contesta o monumento explicando que a Capela Sistina é um modelo reduzido do que representa: a escala do universo.
É curioso ressaltar que o autor se interessa primeiro pela questão da escala, notando que a redução – mesmo que se trate de um monumento - é uma forma de expressão de algo maior, de uma estrutura que abarca o que a representa e não o contrário. A miniatura é antes do mais aquilo que se pode manipular por ter um tamanho que possibilita a apropriação com o olhar, com a mão, com o corpo. No caso da miniatura aplicada à questão da obra de arte, o autor conclui que “a virtude intrínseca do modelo reduzido é que ele compensa o facto de se renunciar à dimensão sensível pela aquisição da dimensão inteligível” .
Longe de querermos aplicar a toda a obra de arte a teoria de Claude Lévi-Strauss pareceu importante referir aqui a questão da inteligibilidade mas também de sublinhar o seu carácter lúdico: será esta a maior metodologia de aproximação ao trabalho de Gabriela Albergaria, no momento de usufruto da obra. Mencionamos o jogo no seu aspecto mais filosófico de experimentação com o objectivo de criar uma forma, uma regra, de brincar com o saber sem finalidade precisa. As maquettes sublinham a questão da manipulação – elemento indispensável para a criação de uma segunda natureza - saindo de um espaço que é apenas emocional e imaterial como o da fotografia. Passando essa fronteira, a artista pôde declinar as questões que trabalha sendo ela a primeira a brincar com as regras de usufruto que vai criando.
Mas voltemos à questão da escultura. Descoberta na passagem de um modelo à imagem fotográfica, a escultura está a tornar-se uma questão muito importante no seu trabalho. Para além das maquettes, e por vezes para elas como no caso da casa de pássaros, a artista recorre a objectos existentes, duplicando-os. “Escada”, uma obra apresentada na Fundação Gulbenkian, é a reposição de uma escada copiada da que os jardineiros usam para terem acesso às áreas mais altas dos jardins, no espaço exterior, de modo a fingir um acesso ao alto, ou uma passagem para fora – onde as plantas chegam e os homens não. Com esta presença discreta mas forte, a artista sugere um outro modo de vida e uma outra vivência do espaço arquitectónico, habitado, alertando para a performatividade do corpo em função da natureza, toda uma outra maneira de estar e de olhar. Estas cópias – e é importante que sejam duplos e não os objectos originais – lembram de início o ready-made, ou seja, a apropriação poética de um objecto já existente colocado num espaço de contemplação liberto de uma função mas determinando funcionalidades. De facto, a artista pratica um desvio em relação a esses objectos, trazendo-os para o espaço museológico. Mas o facto de se tratar de réplicas leva-nos mais longe: até ao estabelecimento de um território concreto de ficção. Tal como no fantástico livro de Lewis Carroll, Through the Looking Glass, duplicando o nosso mundo e alterando as suas leis no lado de lá, o mundo espelhado pelo trabalho de Albergaria tem os mesmos objectos, mas novas regras físicas, instabilidade de escala e jogos de palavras. Através destes objectos, a artista leva-nos a transpôr uma barreira entre duas dimensões.
O enraizamento da memória pessoal encontra um eco a um nível colectivo e histórico, como em Collect, Transportar, Coloniser. Os cestos de plantas, réplicas dos que foram usados na derradeira expedição de Lapérouse, reproduzidos de forma exímia e sensual, aludem a toda a zona de Belém, marcada pelas descobertas e pelos discursos e ideologias delas dependentes. Seguir o percurso colonial de uma planta, atravessando continentes, é descortinar todo um inconsciente colectivo de poder e fascínio nas folhas de uma planta tropical, presença já familiar e “nossa” nos jardins que frequentamos. Collect, Transportar, Coloniser adquiriu uma condição crítica muito forte pelo contexto em que está o CCB: um edifício polémico que colocou a questão urbanística da relação harmoniosa entre passado e presente, como se aquele tivesse uma qualidade intrínseca por fazer parte de uma história aparentemente resolvida. O Mosteiro dos Jerónimos, um dos momentos culminantes do Manuelino, criado de raiz pelos artistas da época numa condição de tangência cultural em relação ao resto da Europa e de prioridades nacionais que, justamente, viam surgir as questões de miscigenação cultural e da afirmação de poder, pouco tendo a ver com o que se passava em Itália ou França, lembra as questões de apropriação pelo poder das manifestações culturais do homem.
A originalidade destes métodos escultóricos baseia-se também na incorporação de uma espécie muito específica de movimento: o crescimento de um ser vivo, o desenvolvimento no espaço de um corpo em crescimento. A verticalidade (nomeadamente numa instalação exterior em que a artista coloca suportes garridos para árvores, repetindo uma prática ancestral para sustentar espécimes fragilizados) torna-se o sustento de uma vida cuja organização espacial se torna um peso: entram em oposição a verticalidade e a gravidade, o peso físico de um corpo. A introdução deste movimento orgânico vem também ele afectar o que até agora era um pensamento essencialmente cultural sobre a mestiçagem e a apropriação – as segundas naturezas. O crescimento da árvore vai-se fazendo, aferindo o espaço, a luz, a água, numa lei que apenas obedece a um sistema de adaptação ao terreno, ao seu contexto próprio. A cultura é uma forma de segunda natureza, mas a própria natureza pode ser arquitectura e desenho, consoante o meio em que está colocada e o que com ela se relaciona.
Mormente, o desenho está ele próprio submetido a este processo de avaliação da Natureza no trabalho de Gabriela Albergaria. Obedecendo a um método que não é inocente, uma espécie de corte, de composição visualmente desconexa mas estruturalmente coesa, os desenhos da artista são como uma compulsão “natural” criativa de desenho. São de uma rigorosa contenção tanto (mono)cromática como no traço. Parecem fazer implicitamente menção à crítica panteísta de Espinosa a Descartes de que o homem está na Natureza “como um império num império”. Ou seja, artificialmente desligado dela, desconhecendo que obedece às mesmas leis, ao mesmo paralelismo entre o espírito, o pensamento e o corpo ou extensão. Os seus desenhos são quase como uma demonstração dessa incrível tese. Trazem um registo do seguimento puramente físico do que é uma das manifestações da Natureza: a cultura. Para além do mais, trazem para um território quase mecânico – o desenho é aqui encarado como disciplina de conhecimento na sua tradição mais académica – uma distância de espectador, de quem se olha para si mesmo desenhar, e de quem observa o mecanismo da mão e a sua correspondência com o tema tratado.
As diferentes questões levantadas pelo trabalho de Gabriela Albergaria têm portanto este elo comum, a Natureza, podendo contudo manifestar-se de diversas formas, em maquettes, no desenho, na fotografia, na documentação e na contextualização histórica. Todas estas formas de expressão visam representar não uma panóplia hesitante de talentos, mas antes formas incontornáveis de expressão: o desenho, a ciência, a manipulação da vida orgânica, a ficção, a imagem. Parecendo por vezes cair na categoria da instalação, o trabalho de Gabriela Albergaria tenta sobretudo abrir-se a todas estas áreas de encontro através de formas clássicas de expressão plástica, ou seja, a fotografia, o desenho e a escultura – e, arrisco, o território da palavra e o da germinação da ficção.
In Loco: o Jardim da Sereia e o CAPC
Há dois aspectos essenciais para a concepção do projecto de Gabriela Albergaria para o CAPC. Por um lado, um acidente, uma imagem que descobriu por acaso num jornal e várias outras que presenciou em florestas depois de trovoadas ou vendavais. O segundo aspecto é o facto do Jardim da Sereia, em particular uma clareira, estar já ocupado com esculturas, o que impossibilitou a realização de uma peça para esse mesmo lugar, que com elas entraria num confronto infrutífero. Em contrapartida, e como amiúde acontece com os seus desenhos, as fotografias que tirou do local deram origem a desenhos, investidos depois pela representação vectorizada de movimento atmosférico.
Cheio de história, o Parque de Santa Cruz ou Jardim da Sereia era a antiga mata dos crúzios (frades da Ordem de Santa Cruz de Coimbra), e, para além da riqueza do Jardim Botânico, cujos espécimes raros e exóticos foram povoar as antigas colónias, nomeadamente São Tomé, oferecia igualmente um refúgio arbóreo digno de especial atenção. Refere-se no prestigiado e antigo Guia de Portugal da Fundação Calouste Gulbenkian a propósito deste jardim: “Além deste somptuoso vestíbulo [a entrada do Parque era referida por Eugénio de Castro, que o autor acabara de citar, como um “vestíbulo” verdejante e gracioso], o parque tem uma formosa escadaria entrecortada de patamares com pequenos jogos de águas e assentos rematados de azulejos (...) que conduz ao sossegado recanto da Fonte da Sereia, muitas veredas aprazíveis, um lago circular envolvido, com recato, por uma roda de árvores, um campo de jogos (...) e oferece, principalmente, a raridade botânica, odorante, de uma alameda de loureiros (Laurus Indica), que arrancou, já no século XVIII ao viajado Linck, a significativa prevenção: “Quem desejar ver os loureiros da India, de Goa, em toda a sua magnificência, é aqui que deve dirigir-se””.
Contudo, se o aspecto arquitectónico se mantém (em mau estado, deve dizer-se) a sua flora sofreu amplas remodelações, após a terrível rajada ciclónica que em 1941 destruiu a sua flora quase por completo, fazendo estragos igualmente no Buçaco e em Sintra. Esta pequena catástrofe marca um ponto de viragem ideológico quanto à arborização dos espaços verdes por se ter passado de uma vegetação local ou de tipo mediterrânico a uma outra então muito em voga, com espécimes tropicais e subtropicais. É a que ainda subsiste.
A pitoresca história do local encontra-se com a história pessoal da artista, que andava há muito assombrada por uma fotografia de imprensa mostrando árvores derrotadas por um violento furacão, tombadas sobre uma rua. Perfilou-se assim a questão da tempestade, do acidente, da árvore mortificada e da reconstituição de um novo habitat – é que, para além de ser um jardim histórico na cidade de Coimbra, o Jardim da Sereia é um ponto de passagem da parte sobranceira da cidade à parte baixa. Trata-se portanto de um local híbrido, com fortes memórias a ele ligadas, um enredo histórico revelador e um presente activo.
A exposição do CAPC está portanto pensada como um percurso interior e exterior constituindo sinais, efeitos e manifestações de uma catástrofe vegetal, inspirada na história pessoal da artista e local, dividindo-se em três partes: tempestade, acidente, movimento / mudança. O título da exposição alarga estes conceitos mais descritivos, passando do francês para o inglês e finalmente o português: Mouvement, Instability, Conflito, I.
Para o exterior, a artista preparou uma peça que apresenta como um “acidente”. Convém recordar um outra obra da artista para o Landkunstleben, a primeira versão do que vai ser agora apresentado. Enterrou parcialmente uma árvore que descobrira derrubada pelo vento por estar completamente podre. Na história dessa árvore / obra, três “acidentes” foram decisivos para o seu destino: a sua doença, o vento, e a artista, que a soterrou. Da mesma forma, a artista colocou uma árvore da região numa passagem do Jardim da Sereia como se ali tivesse caído e tivesse sido serrada para dar passagem aos transeuntes. Para além de se tratar de uma mise-en-scène, a árvore é um intruso do passado, do tipo das árvores que anteriormente abundava no Jardim da Sereia. Uma tabela elucidando o contexto da criação da obra está à vista dos passantes, pronta a ser consultada.
As virtudes filosóficas do acidente são inúmeras: o acidente é o que não se pode prever. Torna-se uma categoria lógica (o acidente é aquilo que vem afectar ou modificar o sujeito, ou seja, é a parte de movimento numa frase e, logo, numa situação, é a sua componente de mudança). Ou seja, e visto de um ponto de vista oposto ao do sujeito que sofre uma alteração, o acidente é curso normal das coisas. Apesar de, para o homem, ser o que marca a história, o tempo, o ser – paradoxo emocional que marca a obra de Camões, em que a linguagem é trabalhada para exprimir a normalidade e estranheza da mudança.
Força motriz da natureza, da vida, o acidente é um elemento essencial do paisagismo hoje em dia, em que se vai concebendo a vida como mudança. E a vida é um sistema de equilíbrios e desequilíbrios, de forças que se combatem e se confrontam até chegar a uma estabilidade provisória. Sonhando com esse sistema de alterações, a artista começou a fazer desenhos de uma clareira onde não pôde investir por já estar ocupada com uma escultura, fazendo “exercícios de movimento”, nas suas próprias palavras, ou seja, inserindo movimento atmosférico relativo à metereologia nos seus desenhos. Mais soltos, com unidades de cores em confronto, os desenhos reportam-se ao espaço exterior de modo fantasmático.
Há uma mudança substancial nos desenhos, que conquista todas as outras formas de expressão da artista nesta exposição. Se o movimento já se insinuava através da sua sugestão orgânica e temporalmente arrastada, aqui torna-se evidente a sua presença quase parasital. O desenho clássico e contido da artista solta-se para ser invadido por movimentos abstractos (o movimento é sempre uma forma de abstracção, de esquema, de delineação do espaço e do tempo em conjunto). É este o vector da exposição: a catástrofe, a abstracção, a alteração de uma ordem estabelecida.
A fotografia prolonga esse mesmo investimento fictício na clareira dos desenhos. Novamente, a artista vai introduzir de modo quase abstracto o movimento no seio de uma paisagem organizada e estruturada. Como se de um registo de uma “ocorrência” se tratasse, a artista fotografa não tanto o acidente, mas a incredulidade inerente perante as forças da natureza em acção sobre o mundo como o conhecemos. À habitual sensação de artifício que as suas fotografias inspiram, substitui-se uma mise-en-scène do absurdo da mudança, da alteração da paisagem, do acidente. As suas imagens fotográficas continuam a sugerir uma artificialidade que permite ao espectador distanciar-se e analisar as suas reacções perante o que vê; mas desta vez a artista vai mais longe nesta sugestão ficcional de um espaço que se pode explorar com a mente e com a memória do corpo, invocando a sua iminente destruição. Trata-se da destruição do espaço da memória, sem causas apontadas, conduzindo somente para o local que traz todas as soluções para o mistério.
Uma outra intervenção mais enigmática no exterior, inverte, literalmente, o passado e o presente: polindo uma das peças de mármore da escadaria, Gabriela Albergaria transporta-nos para os tempos das impressões bucólicas de Linck. Assim terá sido este jardim. Assim é agora, como reflecte o mármore polido em torno de si. Assim, num ápice, aplicando uma técnica, se cuida de um espaço e das suas esculturas. O Jardim da Sereia é uma sedimentação de vários tempos (de inúmeros acidentes), todos sobrepostos, sem se ter tido a preocupação de os apagar. As árvores locais, o terreno de desportos dos frades, a decoração “afrancesada”, a flora tropical, a degradação dos elementos decorativos, as esculturas de um dos artistas portugueses mais marcantes dos anos 90, Rui Chafes, a intervenção de Gabriela Albergaria, agora. Uma diferença porém: Albergaria será o último acidente, é certo, mas antes um acidente simulado, e consciente.
Na sequência do tsunami, dos furacões e dos recentes fogos florestais em Espanha e Portugal, poderá pensar-se que estamos perante uma espécie de vendetta levada a cabo pelos elementos naturais contra o mundo terrestre e a presença do ser humano. Parece que as forças da água, fogo e vento (ar) se uniram contra a terra sua irmã. E ainda que possa aqui haver alguma superstição, existe ainda na mente humana uma profunda afinidade física e psicológica com aqueles que outrora foram considerados os elementos primordiais do nosso mundo. Ao falar do fogo, um assunto particularmente relevante e pertinente se tivermos em conta aquilo que se passou em Portugal durante o Verão, o filósofo francês Gaston Bachelard escreveu a dada altura, e de forma dualista, acerca dos seus paradoxais conteúdos mentais:
“Cresce das profundezas da substância e oferece-se no calor do amor. Ou então pode regressar à substância para aí se esconder, latente e reprimido, como o ódio e a vingança. É de todos os fenómenos o único ao qual podem ser tão definitivamente atribuídos os valores opostos do bem e do mal. Resplandece no Paraíso e arde no Inferno. É ao mesmo tempo favor e tortura, cozinha e apocalipse.”
De modo inverso, aquilo que a obra da artista portuguesa Gabriela Albergaria pressupõe é um tipo de poética humana em defesa de uma forma de reparação natural. Os seus projectos artísticos podem efectivamente ser vistos e lidos como sendo orientados pelos processos de intervenção e reparação. Deste modo, e em certo sentido, as suas intervenções artísticas lidam geralmente com aquilo que se pode chamar de consequências, acumulações e rescaldos da acção da natureza. Porém, ao contrário do princípio da entropia e transformação que preside à obra de, por exemplo, uma artista como Anya Gallaccio, os trabalhos de Gabriela Albergaria são ainda mais minimais e metafóricos nos conteúdos. Todos os projectos a que a artista se dedica revelam uma subtil tranquilidade, sem que normalmente tenhamos qualquer objecto entrópico ou abjecto presente no resultado da experiência levada a cabo.
Também o termo ‘experiência’ é revelador, uma vez que aponta directamente para o recurso ao enxerto, transplantação, colonização e recolonização, processos inerentes a muitos dos projectos de Gabriela Albergaria. E é no interface da natureza enquanto jardim, quer em termos de arquitectura de paisagens, da história do jardim, ou da entidade regenerativa hortícola, que a artista expressa as suas ideias. No seu recente projecto Collect, transplantar, coloniser (2004-5), levado a cabo para o Centro Cultural de Belém, Gabriela Albergaria desenvolveu, como é seu hábito, um espaço específico onde colocou um ulmeiro morto. Trabalhando com cirurgiões de árvores (a colaboração é uma parte fundamental do seu trabalho), ela cortou os ramos da árvore com vista a uma redisposição interpretativa. Instalado no espaço da galeria juntamente com elementos alusivos ao enxerto e à reconfiguração, o trabalho trouxe para dentro aquilo que formalmente estava no exterior (a árvore iria ser abatida mais tarde ou mais cedo). O conteúdo metafórico aqui em causa tem a ver com a transposição de um elemento morto para uma existência poética recentemente regenerada, algo que pode ser melhor descrito como uma acto de reparação estética.
Aquilo que tomamos como natural é muitas vezes importado, e este era um segundo aspecto da instalação de Gabriela Albergaria. Colocadas sobre paletes à entrada do espaço da galeria, era possível encontrar espécies botânicas que se haviam impropriamente alastrado a diferentes partes do jardim tropical vizinho. O que aqui estava a ser realçado era a natureza pródiga e híbrida das plantas adaptadas pela mão humana através do enxerto e da multiplicação hortícola ou que simplesmente se haviam adaptado elas próprias a novos ambientes. Gabriela Albergaria tem um enorme fascínio pela história da jardinagem, pela botânica e pelo paradigma hortícola da adaptção. Ela viajou bastante e este seu fascínio tem como origem o jardim dos inícios do Renascimento e os grandes jardineiros paisagísticos do século XVIII. O desconhecimento geral que a maioria das pessoas tem em relação à vida das plantas, tomando-as como naturais e nativas quando de facto se tratam de espécies importadas, conduz a um conjunto de questões não apenas de ordem botânica mas também de natureza social, cultural e política. Isto impõe um significado adicional ao termo ‘colonizar’, multiplicando a colonização que está a ter lugar e que continua a verificar-se, e alargando a noção de reparação de modo a incluir questões sociais e políticas. Enquanto antiga potência colonizadora, Portugal fora portanto presenteado com um reflexo de si próprio, uma descrição auto-reflexiva daquilo que é verdadeiramente português ou verdadeiramente nativo nos ambiente pós-coloniais por si criados. Aquilo que é verdadeiramente português, do Portugal europeu, e aquilo que é um derivado da sua história imperial, enxertado como tal através do largo papel desempenhado por estas plantas durante o longo período de colonização. Apesar das plantas não terem passaporte, sendo frequentemente adaptadas e hibridizadas, a instalação avançou uma série de questões relacionadas com as origens e a etnicidade que Gabriela Albergaria desejava pôr a nu.
O papel da intervenção e da adaptação foi de igual modo ilustrado através da construção de um portal ou portão (talvez até mesmo uma porta de estufa), servindo como ponto de transição e podendo ser também interpretado como incubadora metafórica para estas transladações tropicais. Para tal, Gabriela Albergaria trabalhou de perto com os botânicos e pessoas responsáveis pelo viveiro de plantas tropicais da zona. E se a árvore, a porta e a planta sugeriam recuperação e diferentes formas de reparação, a inclusão de cestos utilizados para o transporte de plantas, feitos a partir do chamado ‘mogno africano’, mitigou o sentimento de hibridez pós-colonial, denominador comum no mundo moderno em que vivemos.
O projecto de Belém teve muito a ver com o do jardim da Gulbenkian, levado a cabo um ano antes. Porém, enquanto que o primeiro se concentrava em questões relacionadas com plantas, jardins, transposição e transladação, e com o relativismo social e cultural que essas questões implicavam, o projecto da Gulbenkian incidia mais directamente na arqueologia da paisagem, em assuntos de proximidade e na tarefa da performance, ou seja, aquilo que podemos chamar de conteúdos performativos da natureza e envolvimento pessoal do artista na compreensão dos processo naturais.
A participação do artista e a delineação de tarefas, quer de forma interventiva quer por meio de uma reparação, são de importância vital para Gabriela Albergaria. Deste modo, a artista escavou na Gulbenkian uma trincheira a partir do local onde se encontrava um eucalipto centenário, perto da galeria das exposições temporárias, amparando as faces da trincheira com vigas de madeira e exibindo as raízes da árvore por meio de uma escrupulosa remoção de terra. Ficaram deste modo expostos a arqueologia da paisagem e o significado histórico, possibilitando isto uma maior noção da relação entre o edifício da galeria e o jardim circundante. Para a artista, o conteúdo performativo tinha a ver com as experiências pessoais e processos documentais dessa descoberta. Enquanto intervenção subtil, o projecto revelou as várias camadas da história do jardim e a frequentemente arbitrária construção arquitectónica, um elemento muitas vezes ignorado ou pouco tido em conta e resultante das próprias investigações de Gabriela Albergaria acerca do complexo desenvolvimento de jardins famosos e sua subsequente história.
O projecto da Gulbenkian incluia também algo que a artista chamou de disguise/performance in the garden (disfarce/performace no jardim), em que uma série de placas de cimento ladeadas por tábuas de madeira foram colocadas sobre a relva, cobertas com areia de uma consistência altamente porosa e com um revestimento térmico, tudo isto por sua vez completado com uma camada de solo organicamente muito fértil, no qual Gabriela Albergaria plantou erva da pradaria, uma erva mais tarde usada noutras partes do jardim. Em termos estritamente ópticos, o que se via era uma série de plataformas baixas com a erva crescente a cobri-las ao longo do período da exposição. O efeito tinha a ver com uma maior noção dos processos inerentes à natureza, algo que pode melhor ser descrito como um fenómeno natural visto enquanto performance orgânica. E foi esta ‘performance natural’ que serviu de inspiração para as instalações no interior da própria galeria. Sobre mesas altas foram colocados modelos derivados da flora do jardim, o que teve o efeito de aproximar o exterior com o interior, reintegrando e reforçando as relações entre a galeria e o jardim. Uma vez que o termo reparação significa à letra “reparo, acção de restaurar ou consertar algo, ressarcimento”, o acto de remediar torna-se assim presente e material, um aspecto ainda mais acentuado pela inclusão de uma escada a partir do nível inferior da galeria, formalizando a inter-relação entre a galeria e o jardim.
São de realçar mais uma vez os enxertos, as uniões e a transposições metafóricas implícitas na obra da artista, dado que a mesma tendência é evidente em dois outros projectos, um levado a cabo em 2004 no castelo Wiepersdorf no contexto de uma exposição intitulada ZELT, e outro realizado no mesmo ano em Steinhöfel e intitulado Landkunstleben. No castelo Wiepersdorf, o trabalho seguiu o formato de um projecto-experiência, envolvendo o estabelecimento de uma base comum na propriedade, na qual um grupo de artistas produziu filmes e desenvolveu instalações e apresentações. O trabalho de Gabriela Albergaria consistiu em estudos de sincronização, recorrendo a três ramos para assim abordar questões de movimento e imobilidade. Foram unidos dois ramos de um velho carvalho, como que por meio de um enxerto, por forma a proporcionar uma oscilação visual imediatamente sujeita ao movimento do vento. Sugerindo, por um lado, um sentido simbólico de fertilização transversal, um aspecto reflectido pelo grupo de artistas a operar a partir de uma base, o trabalho fazia também uma referência ao cinema, isto é, à imagem em movimento, na medida em que era suposto cada artista pensar num filme que lhe tivesse servido de inspiração. No caso de Gabriela Albergaria, a inspiração havia sido o filme de Jean Renoir Une partie de campagne, no qual uma senhora de idade sentada num baloiço servia de homenagem a um quadro do pintor homónimo de Renoir, Auguste, apesar da verdadeira origem do motivo ser sem dúvida um quadro do século XVIII da autoria de Fragonard. O contexto visual era deliberadamente o das fêtes gallants, transmitidas através do “Almoço” de Manet. Deste modo, a artista utilizou também estacas de tenda e cordas de modo a imobilizar dois ramos a meio do seu movimento, proporcionando assim uma impressão de imagem estática. Olhando para trás, isto parece hoje uma espécie de posicionamento “pós-deleuziano”, no qual a imagem-movimento contrasta deliberadamente com o movimento imobilizado. Na verdade, o que estava a ser realçado era a distinção entre aquilo que se baseia no tempo e aquilo que é espacialmente formulado. Quando em contacto com a natureza, é comum o ser humano sentir que está simultaneamente dentro (sazonal) e fora (perene) do tempo.
O minimalismo das intervenções de Gabriela Albergaria, já realçado em algumas ocasiões, verificou-se de novo no projecto Landkunstleben, onde num pomar foram recriados actos de enxerto e reparação. Deste modo, velhas macieiras foram amparadas para evitar que caíssem (uma prática rural comum) e dois ramos foram atados um ao outro num enxerto simbólico. De certa forma, esta intervenção parecia ser uma espécie de ready-made assistido, uma vez que artista apenas alargou e tornou metafórica uma prática comum ao nível da multiplicação de árvores de fruto. Ao mesmo tempo, uma velha macieira morta que havia caído foi cortada e parcialmente enterrada, uma alusão a um outro aspecto da cultura de árvores de fruto, nomeadamente a poda regular de árvores e o significativo abate levado a cabo no final do período de colheita.
Poderá parecer que o estatuto temporário e a efémera expiação dos projectos ligados à terra contradiz o registo vivo dos desenhos de Gabriela Albergaria e as fotografias de modelos baseados na natureza que artista já utiliza há bastantes anos. Porém, seria um erro grave discriminá-los enquanto obras totalmente independentes ou autónomas. E isto porque tudo o que Gabriela Albergaria cria surge como um todo. Os seus desenhos não são mais do que uma extensão dos ambientes vivos experienciados pela artista. Feitos a lápis de cor verde sobre papel, com camadas e camadas de contornos, são como que a encarnação material da paisagem e dos motivos florestais que a artista decidiu representar. Frequentemente dispostos sob a forma de dípticos, trípticos e panoramas, os desenhos não pretendem ser um registo exacto (algo que seria mais fácil de obter através da fotografia), mas uma encarnação exemplar da natureza tal como ela é experenciada. Efectivamente, em muitos aspectos, os desenhos fazem lembrar acima de tudo uma daquelas profícuas e pseudo-fantásticas paisagens de artistas do século XVIII como Salvatore Rosa ou do proto-romântico Alexander Cozens. De uma composição quase clássica, os desenhos têm todas as características do repoussoir ao estilo de Claude, aliadas aos baixos e elevados pontos de vista numa evocação das paisagens românticas. Daí que a artista tenha sido capaz de fundir nestes desenhos o elemento observado (o objecto de estudo) com aquilo que se sente e ao qual se reage (o elemento subjectivo e psicológico). De modo diferente, a artista procurou levar a cabo uma reparação estética, a dicotomia que muitas vezes tem lugar entre o observar e o sentir da natureza enquanto paisagem.
As fotografias de modelos de ambientes naturais são ao mesmo tempo documentos e obras de arte. Há várias anos que Gabriela Albergaria tem feito instalações de paisagens naturais para depois fotografá-las. De certo modo parecidas com os trabalhos de Gregory Crewdson, ainda que sem qualquer acento gótico ou “hitchcockiano”, estas fotografias encarnam uma espécie de cenário por um lado natural e real, e por outro lado ficcionalmente fantasiado. Normalmente executadas com impressões lambda, elas criam um sentimento de natureza sombria mais reminiscente de um cenário cinematográfico do que do mundo real. Fazem talvez lembrar mais o universo de Tolkien, a Floresta de Fangorn, do que os ambientes assombrados de Crewdson, aparentemente inspirados numa versão actualizada de Edgar Allen Poe. Aqui e em toda a sua obra, é notório que Gabriela Albergaria nunca introduz fauna ou aspectos visuais humanos na sua abordagem à natureza e à paisagem. É difíci dizer se isto é de forma a evitar as implicações narrativas ou simplesmente para conceder prioridade ao mundo natural do qual dependem todas as formas de vida. Nem é sequer evidente que ela esteja interessada nos efeitos traumáticos que a natureza é capaz de gerar, a devastação que neste texto comecei por referir. Gabriela Albergaria deve portanto pouco àquilo que é muitas vezes chamado de “sublime romântico”. Por conseguinte, devemos tentar compreender melhor a sua posição apoiados nas convenções da história da jardinagem, já que tanto daquilo que os europeus julgam ser natural foi na verdade criado por milhares de anos de intervenção humana na paisagem. E semelhante posição é marcadamente distinta daquilo que os Victorianos estavam habituados a chamar de “nature tooth and claw.”
O recurso ao enxerto metafórico e a utilização da multiplicação sugerem ambos melhoramento por acção do homem, um aperfeiçoamento iluminista ou uma melhoria específica da natureza. Embora nem sempre resulte, a intenção é essencialmente evolutiva, um passo rumo a algo melhor ou mais inteligente. E nesta medida, Gabriela Albergaria não faz mais do que reflectir um crescente interesse num regresso a uma união orgânica e directa com a natureza, fugindo ao determinismo bioquímico que dominou a paisagem europeia dos últimos cinquenta anos através da exploração agrícola. Conforme observou Deleuze, o modelo da horticultura é mais pluriforme, variado e auto-sustentável do que a agricultura química e massificada na qual tudo é abordado da mesma forma. O que é porém necessário é uma maior consciência do complexo funcionamento dos mecanismos do mundo natural, algo que hoje em dia está bastante afastado do corrente entendimento do nosso mundo cada vez mais urbanizado.
Com o simples título de Árvore e realizado no Porto, o seu recente trabalho explicita esta relação. Nele um grande ramo cortado é colocado num apoio de metal. A esse ramo foram aparafusados outros ramos secundários, numa fusão simbólica do natural com o industrial. Também se alude deliberadamente a um pequeno enxerto, criando o conjunto um sentimento de precariedade escultórica. A noção de desiquilíbrio que o trabalho implica diz bastante sobre o modo como a artista vê a relação alienada que hoje em dia se tem com a natureza. No entanto, o que é mais interessante é que a artista alcança esta alienada auto-consciência através do mais minimal dos meios. As obras de Gabriela Albergaria nunca são didácticas, nunca tem lugar qualquer ensinamento ou pregação em relação aos danos que presentemente provocamos na natureza. O que é necessário, e é aí que a sua obra se distingue, é a capacidade de criar de forma hábil a noção de uma auto-avaliação pessoal. As pessoas não são forçadas a ouvir mas são levadas a pensar. A recente devastação e os argumentos acerca das alterações climáticas são por isso reforçados sempre que nos vemos levados a pensar naquilo que esta artista reafirma. E somos também obrigados a reconhecer na natureza aquilo que Bachelard chama de “valores opostos do bem e do mal”.