Em 2012, um pequeno conjunto de negativos fotográficos de grande formato, adquirido numa "loja de garagem", deu origem à série Lanterna Mágica. Os negativos em preto e branco retratavam paisagens naturais onde a ausência da figura humana impossibilitava ainda mais a sua datação precisa. Além disso, era possível perceber pequenas imperfeições na imagem, tais como uma dupla exposição muito sutil ou um detalhe importante sem o devido foco. O escrutínio daquelas películas, meio maltratadas pelo tempo e abandono, além da ausência de qualquer ser humano ali retratado, provocava uma certa excitação, como deve ocorrer quando se "desbrava" um território desconhecido. No entanto, a falta da enunciação de uma história ali não aliviava o desconforto voyeurístico, pois aquela paisagem poderia ter sido desabitada em função de alguma tragédia, ocorrida ou ainda por vir.
Ao habitar a paisagem, o ser humano sempre deixa uma marca, que pode ir do extrativismo consciente e sustentável ao dano irreversível, tudo dependendo da intensidade ou do peso de sua presença. No entanto, o anonimato daquela cena fotográfica revelava muito pouco sobre si própria, deixando para o espectador uma sensação de tempo suspenso, onde algo está na iminência de desaparecer ou acabando de se reconstituir.
No laboratório de fotografia analógica, sob lanternas vermelhas, o tempo e a luminosidade do ampliador são controlados para que a dose correta de luz atravesse a película fotográfica e projete as sombras adequadas sobre o papel emulsionado com gelatina e sais de prata, permitindo que uma boa cópia fotográfica seja revelada. Sabe-se há tempos que é a dose que faz o veneno. Aplicando esse adágio à prática no laboratório fotográfico, entende-se que, se a luz for excessiva, a imagem será consumida pela escuridão produzida sobre o papel fotográfico, com sua "morte" sendo revelada quimicamente.
Na série Lanterna Mágica, cada negativo em preto e branco gerou quatro imagens distintas, de acordo com a intensidade da luz de uma lanterna projetada sobre o papel fotográfico antes do processo químico de revelação. Cada paisagem foi, portanto, parcialmente consumida quatro vezes, cada uma delas por uma mancha — ou melhor, um buraco negro inescapável de tamanho diferente — produzido pela exposição a uma luz intensa e pontual. Como se uma lanterna invertida, em vez de clarear, escurecesse a paisagem para onde ela apontou, demonstrando que o veneno sempre pode ser mais fatal do que imaginamos.
Na contramão da documentação de base digital, esse exercício visual construído dentro do laboratório fotográfico pretendia abrir caminho para a discussão sobre a ontologia da imagem fotográfica original e a construção de uma possível ponte filosófica com um breve episódio da história da humanidade (que pode estar situado entre seus primórdios ou seus estertores...), representado por fotografias banais.
A série Lanterna Mágica está formada por um conjunto de 14 fotografias realizadas em laboratório fotográfico analógico, sobre papel de fibra à base de gelatina e sais de prata.
Rosângela Rennó, 2012 - 2024